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Maria Antônia – A História de uma Guerra

outubro 10, 2012

Maria Antônia: A História de uma Guerra” resgata parte do movimento estudantil do Brasil perdido no tempo, contado tão somente através das informações dadas pelos jornais da época. Quarenta anos depois da histórica briga entre estudantes da Faculdade de Filosofia da USP e do Mackenzie,o repórter e escritor Gilberto Amendola reconstrói cenas daquele episódio por meio de entrevistas com seus principais personagens,como o ex-chefe da Casa Civil do Governo Lula, José Dirceu,e outros tantos estudantes que hoje podem ser facilmente reconhecidos do cenário nacional.

Vozes do golpe

fevereiro 28, 2011

Aproveito um recado de Orlando Nascimento sobre Moacyr Scliar e um e.mail recebido de Antonio Morales para dar sequência à série Literatura Engajada

 

VOZES DO GOLPE (4 VOLUMES) – A revolução dos caranguejos; Mãe Judia,1964; A mancha; Um voluntário da pátria

Carlos Heitor Cony e Moacyr Scliar e Zuenir Ventura e Luis Fernando Verissimo

Vozes do golpe reúne quatro relatos – dois ficcionais e dois documentais – sobre experiências ligadas ao golpe militar de 31 de março de 1964 (ou 1o. de abril). Os textos relembram os acontecimentos que derrubaram o presidente João Goulart e instauraram o regime autoritário que se prolongou por mais de vinte anos (1964-1985), e cujos reflexos ainda estão presentes na vida dos brasileiros.


Em A Revolução dos Caranguejos, Carlos Heitor Cony relembra sua atuação na imprensa durante o ano do golpe e conta as perseguições que sofreu – tanto do regime militar como de setores da esquerda. O escritor evoca o dia 1o. de abril de 1964 e uma caminhada em Copacabana na companhia do poeta Carlos Drummond de Andrade. Desse passeio resultaria a primeira – e ácida – crônica de Cony sobre o golpe. Os textos do escritor no jornal Correio da Manhã motivaram um pedido de prisão e um processo, movidos contra ele pelo então ministro da guerra, Arthur da Costa e Silva, além de lhe renderem o patrulhamento da ala esquerdista que considerava seus romances e crônicas “alienados”.
Em Um voluntário da pátria, Zuenir Ventura rememora os acontecimentos que precipitaram o golpe militar, como o Comício das Reformas na Central do Brasil, em 13 de março, ao qual compareceram 300 mil pessoas, entre as quais o próprio Zuenir. No dia do golpe, o jornalista estava em Brasília, onde deveria assumir uma cadeira de professor na Escola de Comunicação da UnB. Sua descrição daquele dia é uma crônica preciosa porque inédita: ninguém ainda havia narrado o desenrolar dos fatos em Brasília, fora dos círculos oficiais. Zuenir relembra sua surpresa ao constatar que “pegar em armas” podia ser mais do que uma expressão retórica.


Em Mãe Judia, 1964, Moacyr Scliar cria uma narrativa de ficção sobre o intricado caso psiquiátrico em que um médico recém-formado toma conhecimento do monólogo de uma paciente do hospital em que trabalha. Trata-se de uma senhora judia que enlouqueceu depois
Luis Fernando Verissimo compõe em A mancha uma narrativa de ficção ao mesmo tempo divertida e dolorosa. É a história de Rogério, um homem de meia idade, ex-prisioneiro do regime militar. Por obra do acaso, ele descobre, anos depois, ao ver uma mancha no carpete de um imóvel que pretende comprar, a sala em que havia sido torturado. O texto de Verissimo discute a dupla e paradoxal necessidade de quem viveu na carne a violência do regime autoritário: lembrar os acontecimentos extremos que marcaram aquele período, mas também esquecê-los, abandoná-los no passado para não inviabilizar a vida presente.

O triste ano de 1968

maio 16, 2010

por Mário Lopomo

publicado originalmente no blog São Paulo Minha Cidade

De 1964 a 1968, ia se vivendo, como dizia Jô Soares e Arnaud Rodrigues, numa música feita às pressas na entrega do troféu Roquet Pinto, em 1967.

“Para se chegar à Liberdade, temos que passar pelas ruas Argentina, Cuba, Turquia, Rússia, Chile, passava correndo pelas arcadas e pronto”. Aqui jaz a liberdade! Muita coisa estava acontecendo. A cada grupo de protesto que se fazia, vinha a opressão e acabava com o papo.

No dia primeiro de maio de 1967, na Praça da Sé, festa do dia do trabalhador, os policiais cortaram os fios das caixas de som. Uma pedra foi atirada sabe-se lá por quem e foi bater justamente na testa do governador Sodré, que não perdia uma concentração, tentando explicar como tinha conseguido ser nomeado governador “biônico”.

Um mês depois, um carro bomba explodia em frente ao quartel general do Ibirapuera. Antes de explodir, ele invadiu a barreira do quartel, na Rua Manoel de Nóbrega, sendo perseguido pelo soldado Mário Kosél Filho, juntamente com outro praça, um rapaz de cor negra. Quando o furgão carregado de bombas foi jogado no fosso gramado que protegia o quartel, o soldado Mário foi alertado pelo companheiro para não se aproximar muito.

Mário já tinha descarregado seu fuzil nos terroristas, cumprimento do seu dever, e ainda viu o motorista sair do veículo e ser recolhido por um Volkswagen que estava na cobertura. Quando o furgão estava tombado, encostado na parede do quartel, o soldado se aproximou para ver o que era.

E ai o furgão explodiu. O do soldado ficou mutilado, com partes de seu corpo espalhados por todo lado. Uma das últimas partes de seu corpo foi achado em cima da laje do quartel. Era uma de suas pernas.

Tudo fazia crer que dias piores estavam por vir. Quando o ano de 1968 teve inicio, a coisa começou a piorar. E a receita veio do exterior. Na França, estudantes iam às ruas num protesto que há muito não se via, pois a violência campeava. A triste primavera de Praga, quando a Tchecoslováquia estava a caminho da democracia, era outra coisa que entristecia o mundo democrático. Na Alemanha, também muitos protestos, e aí se espalhou pelo mundo todo.

Não poderia ficar de fora o Brasil. Como dizia Chacrinha, “nada se cria, tudo se copia”. Também por aqui estudantes cismavam em fazer seu protesto. Muitas pichações “Abaixo a Ditadura” estavam escritas com tinta preta e é reprisada até hoje como uma das referências contra o movimento militar de 1964.

A UNE (União Nacional dos Estudantes) teimava em fazer o 30º Congresso Estudantil Anual, que estava proibido pelo governo. Mas seria feito clandestinamente, onde não se sabia, era segredo de estado estudantil.
E o lugar escolhido foi um sítio na cidade de Ibiúna. Tudo estava nos conformes. O congresso seria realizado. O governo nem tinha idéia, pois havia um silêncio a respeito da realização desse congresso.
Os estudantes precisavam suprir o sítio de mantimentos para a comida de todos. Para tanto, foram à cidade para comprar o que comer. Só que estupidamente foram muitas pessoas, vários carros, o que chamou a atenção dos pacatos moradores daquela tranqüila cidade. Uma denúncia foi feita, a polícia se comunicou com o DOPS.

Na caixa d’água, tinha alguém de olho para avisar em caso de a policia chegar. Mas mesmo assim, quando menos esperavam, muitas viaturas e policiais estavam cercando o sitio e todos foram presos. Foi necessário contratar muitos ônibus para levar toda a rapaziada para o DOPS. Ali ficaram os líderes; os demais responderiam ao processo em liberdade.

A coisa ia de mal a pior. Eu, como andarilho inveterado, estava sempre pelo centro da cidade. Chegava sempre pelas vinte horas. O Anhangabaú era o piso inicial das minhas caminhadas. Uma noite estava insustentável permanecer no centro. Uma barulheira infernal, sirenes ecoavam por todo lado.

Parece que um carro com estudantes tinha explodido na Rua da Consolação com dois rapazes dentro, um de origem oriental. Quando estava para atravessar a Rua Formosa, caminho que eu fazia, pois por aqueles lados era onde a coisa mais fedia, e eu queria ver de perto, eis que um brucutu da força pública se punha bem a minha frente. Parecia um tanque de guerra. Piscava luzes por todo lado. Voltei correndo para casa. Uma das poucas vezes que fui dormir cedo nos tempos de andarilho.

Passado aquele burburinho, eis que outra refrega estava acontecendo. Era na Rua Itambé com a Maria Antonia. Uma verdadeira guerra entre a filosofia da USP x Mackenzie. A coisa ficou por uma semana daquele jeito. Bombas eram atiradas de lado a lado. Eram fogos de artifício, bombas molotov de fabricação caseira, pedras, paus, fogos de artifício e armas de fogo. E um desses tiros acertou o estudante José Guimarães, de 20 anos, um secundarista do colégio Marina Cintra, da Vila Mariana, do outro lado da cidade.

O barulho maior era de fogos de artifício, o que facilitava quem usava arma de fogo. Milhares de universitários e secundaristas, chefiados por José Dirceu, presidente da UEE (União Estadual dos Estudantes), espalhavam o terror pelas ruas do centro da cidade de São Paulo, trazendo nas mãos pedras, paus e alguns rojões gritando “slogans” contra o governo, assustando os paulistanos que circulavam pela cidade. Viaturas oficiais foram apedrejadas, amassadas e até incendiadas. A força pública e o DOPS passaram a intervir, efetuando prisões inclusive de jornalistas.

No dia seguinte à morte do estudante José Guimarães, os estudantes realizaram uma grande passeata pelas ruas da cidade. A força pública, mais uma vez, se fez presente em massa, agora com armamento pesado, fuzis, metralhadoras, bombas de gás lacrimogêneo e cinco carros de combate. Além dos estudantes, estavam artistas de teatro que tinham seus espetáculos invadidos pela policia repressora (como aconteceu em julho, durante o espetáculo Roda Viva, no teatro Galpão). Juntando-se a eles, ou o povo consciente, ou os baderneiros de sempre.

A passeata saiu da Praça da República, seguindo pelas avenidas Ipiranga, São João. Na Barão de Itapetininga, uma chuva de papel picado saudava os manifestantes. Mas quando ele entraram no Largo São Bento, o cassetete cantou feio. A tropa de choque da força pública os esperava ali. E aí foi um Deus nos acuda: saiu borrachada para todo lado, gente gritando, uma correria infernal, com bombas de gás explodindo em todos os cantos; cenas lastimáveis foram vistas naquele dia.

A maioria que conseguiu escapar foi para o Largo do Anhangabaú, quando atingiram o largo da memória promoveram um comício relâmpago e depois quebraram os vidros do Citibank. Quando eu retornava da Rua Maria Antonia diante daquele absurdo de briga entre duas faculdades, estava atônito: “meu Deus, isto parece o Vietnã”. Não era o Vietnã. Era a própria cidade de São Paulo em estado diferente do que se podia imaginar, uma autêntica cidade em guerra.

Bastante indignado com o que tinha visto, voltei para casa. Quando estava esperando a abertura do semáforo da Rua São Luís com Consolação e Ipiranga, vi uma mulher chorando. Ela retornava para casa, depois de mais um dia de trabalho como faxineira dos escritórios daquela área da cidade, como muitas outras que trabalhavam depois do horário comercial, das 18 às 22 horas.

Em seu desespero, dizia, bastante assustada: “Meu Deus, que coisa horrorosa! Eu vi um menino morto, ali na calçada perto do Mackenzie, um outro estava ferido com o rosto sangrando”. “Não queria estar na pele dessas mães. Até quando vai durar isto? Há uma semana que essa turma briga sem parar”, dizia ela a quem estivesse por perto.

– Sabe quando isso vai acabar, senhora? – disse-lhe eu, em voz bastante alta. Quando estes nossos políticos criarem vergonha na cara. Eles têm medo de se expor para não serem cassados ou presos, e mandam seus filhos fazerem essa baderna toda, sabendo que eles, sendo menores, não serão presos e responsabilizados por esses atos.

– A senhora já ouviu falar em Wladimir Palmeira?

– Não, garoto. Não ouvi falar não – respondeu ela.

– Pois eu lhe digo. É filho de um político lá do nordeste. Ele e o presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes) gritam, esbravejam, fazem passeata pelo Brasil todo. Logo será preso, aí vai levar um pau. E depois dizer que só estudante é perseguido e preso pela policia. Coisas de mártir da democracia.

– A senhora leu o jornal da tarde de hoje?

– Não, não li não.

– Pois bem. Lá tem uma reportagem dizendo que o presidente da UEE (União Estadual dos Estudantes), José Dirceu, é um estudante desocupado, mora no CRUSP e vive às custas dos estudantes, que ficam nos semáforos pedindo dinheiro para financiar suas idas e vindas. Sua função nas horas vagas é dar em cima das meninas idiotas que acham que ele é o maioral. Amanhã ou depois vai aparecer como arauto da democracia.

E assim dizia eu àquela simplória senhora, que de política não sabia nada, coitada. Ou melhor, que bom que ela estava de fora.

As noites de 1968 já não eram as mesmas de dois anos antes, quando a gente circulava livremente por todas as ruas do centro de São Paulo, sem o perigo de tomar um tiro pelas costas. Os boêmios eram felizes e circulavam por todos os bailes da cidade: Badaró, Som de Cristal, Cartola Clube, Club Homs e até o famoso Vila Sofia, no longínquo bairro de Socorro, em Santo Amaro.

No João Sebastião Bar, nos bares da Rua Nestor Pestana, onde a TV Excelsior estava na corda bamba. Nos bares da Galeria Metrópole; lugares estes onde muita letra foi feita para os festivais de música popular e os shows do Teatro Paramount. São Paulo era o centro da cultura brasileira, a alegria era contagiante, com a turma da jovem guarda dando seu recado simples e gostoso.

E para quem não gostava daquele movimento que mudava radicalmente os costumes de uma sociedade, até então conservadora, tinha o fino da bossa com a alegria e o sorriso permanente de Elis Regina. Isso tudo tinha ficado para trás, as nuvens estavam cada vez mais cinzentas.

As noites de 1968 estavam tristes, até a lua não brilhava como antes; mesmo estando cheia, ela não reluzia a felicidade dos namorados, mesmo porque eles também estavam macambúzios cabisbaixos. Havia sempre o medo que algo viria em cima da cabeça de alguém. Resolvi voltar para casa, passei pela Rua Sete de Abril e comprei um jornal Diário de São Paulo.

Fui direto na coluna de Paulo Bonfim. Poesia nessa hora faz muito bem. Parece que o poeta andava muito aborrecido. Não estava nos seus melhores dias. Em sua coluna, ele parecia bastante melancólico, escrevia pensamentos os quais intitulou de Fragmentos.

“Os telefones andam assombrados, tocam e apenas o silêncio responde.

Há dias em que sofro de ausência e de presença, criaturas, objetos e fatos me parecem estranhos e irreais.

Ando farto de lucidez, faminto de sonhos, que não consigo sonhar.

Em armazéns subterrâneos, as palavras colhidas ontem principiam a apodrecer.

Há momentos eternos em dias efêmeros.

Enquanto houver no mundo um homem querendo impor ao outro a verdade, não haverá paz.

A rua está ficando exausta de meus passos.”

Quando a primavera brasileira estava prestes a chegar, quando as árvores ficariam mais verdes, as flores desabrochariam, havendo perspectiva de dias mais felizes, eis que a infelicidade, um deputado, o Márcio Moreira Alves, resolveu estragar tudo.

Deputado que era, pensando que tinha imunidade parlamentar e, portanto, podia falar o que bem queria. Disse em alto e bom som na tribuna dos deputados em Brasília que ninguém deveria comparecer ao tradicional desfile de Sete de Setembro, dia da pátria. Disse mais: “Para que as jovens formandas não convidassem cadetes de qualquer área das forças armadas para paraninfos nas festas de formaturas.”.

Pronto, mais um estopim a ser aceso. O governo militar pediu licença à câmara federal para processá-lo. Muitas seções se davam, ou não, permissão em processar o parlamentar. Numa seção histórica, estavam presentes 372 parlamentares, 249 da Arena e 123 do MDB. Não compareceram 37 deputados, dos quais 32 governistas e 5 do MDB.

Os arenistas Veiga Brito e Edmundo Monteiro não votaram por chegarem após o encerramento da votação. Após a contagem dos votos, o presidente da câmara, deputado José Bonifácio, anunciou o resultado: 216 deputados rejeitaram o pedido para processar o deputado Márcio Moreira Alves, e 141 optaram por processá-lo, 12 se abstiveram de votar (todos da Arena). Sendo assim, a Câmara dos Deputados resolveu não permitir que o deputado fosse processado por ter imunidade parlamentar.

Ao final da reunião, foi uma baderna. Gritos de viva a liberdade. A campainha da presidência era tocada com insistência pedindo silêncio. Os deputados puseram-se a cantar o Hino Nacional Brasileiro. Até o presidente da câmara, o arenista José Bonifácio, se levantou e, respeitosamente, também cantou. Uma grande festa da “democracia” brasileira.

Festa essa que durou pouco, porque numa reunião às pressas, o governo, presidido por Artur da Costa e Silva, assinou o ato institucional nº 5, fechando o congresso e, conseqüentemente, fechando tudo, naquele dia 13 de dezembro, que foi considerado o último ato político do ano.

No dia 31 de dezembro daquele ano, foi ao ar a última edição do repórter Esso, sob forte emoção do locutor Roberto de Oliveira que, por segundos, teve que ser substituído por um outro que estava ao lado, retomando logo a seguir a última leitura de um dos mais laureados noticiários. Ouvíamos também, pela ultima vez, sua característica musical. 1968 é, também, considerado o “Ano que não terminou”.

e-mail do autor: mlopomo@uol.com.br

Plínio Marcos Por Eduardo Spósito

janeiro 18, 2010

Dentro de nossa “política editorial” de publicar os comentários mais relevantes dos nossos  leitores, postamos a seguir comentário de Eduardo Spósito sobre o texto  de Juvenal Alvarenga: Plínio Marcos, O Rebelde.

Não resisti. Dentro do espírito deste Arquivo, que é o relato do que vivenciamos naquele período, preciso falar de minha relação com o Plínio Marcos. (Devo adiantar que – como dizem os acadêmicos babacas atuais – não foi presencial).

A única vez que o vi de perto, ele estava vendendo seus livros colocados em cima de uns caixotes, lá nos barracos da Ciências Sociais da USP. E minha timidez me impediu de ir falar com ele.

Mas gostaria de contar o que ele representou para mim naquele momento da vida brasileira.

Começa pela televisão: o personagem que ele representou em “Beto Rockefeller”, novela em que fazia o amigo do personagem do Luiz Gustavo, indicava um tremendo de um ator, com uma nova linguagem, no tom da novela; seus debates com a Conceição da Costa Neves, talvez no programa chamado “Pinga Fogo’ foram memoráveis- discutia-se o uso de palavrão no teatro, por exemplo, a corrupção política, a marginalidade…

Nessa época eu era seminarista, fazendo filosofia num convento católico, mexia com teatro e me veio a idéia de fazer uma auto de natal, na linha da participação popular. Era só um esqueleto de idéias, mas não consegui escrever uma linha. Um amigo, padre Zanella diz ter levado a idéia para o Plínio e ele teria feito um texto chamado “Um dia virá”. Nunca soube se isso foi verdade e nem sei se houve esse texto do Plínio. Mas isso foi me amarrando mais à sua história.

Acho que assisti na época apenas duas peças: “Quando as máquinas param” e “Abajur Lilás”. Mas lí quase tudo que ele escrevia, inclusive seus artigos em jornais e revistas alternativas da época.Um texto seu que muito me impressionou e que acho profético sobre a marginalidade, foi “Querô”.

Um lado pouco comentado sobre Plínio foi sobre o seu humor: amargo pela vida que se vivia, mas sempre presente. Lembro sobre isso o texto sobre a Figurinha Difícil, que o vi contando várias vezes, mostrando o grande ator que era.

Para alegria minha, tenho uma filha que, ficando  grávida, reservou o nome de Plinio, se fosse menino, em homenagem ao grande autor. Parece que é uma menina, então ela vai ter que tentar de novo.

A qualidade maior na pessoa Plinio Marcos para mim é a autenticidade, o fato de não ter feito concessões e arcado com as consequências.

Eduardo Sposito

Easy Rider (Sem Destino)

julho 23, 2009

 

 

“O clássico dos anos 60, que marcou toda uma geração, está de volta em edição especial, com sua inesquecível trilha sonora e imagem remasterizadas digitalmente. Edição Especial de 30º Aniversário. Mergulhe na contra cultura dos anos 60 sem nenhuma censura, nesta emocionante mistura de drogas, sexo e política. Jack Nicholson estrela com Peter Fonda e Dennis Hopper (que também dirige) neste clássico incomum, que a Revista Time elogiou como um dos dez mais importantes filmes da década. Indicado para o Oscar de Melhor Roteiro em 1969, Sem Destino continua a emocionar o público de todas as idades”

 

O texto anterior é do relançamento de EasY Rider (Sem Destino) há 10 anos atrás.  Informações adicionais sobre o filme podem ser obtidas clicando aqui.

 Para quem era jovem na época do lançamento, Sem Destino é um filme inesquecível. Tão presente na minha memória que lembro-me  do lugar e das circunstâncias em que o assisti.

Com os meus colegas de classe de Filosofia da Educação, curso de Pedagogia da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Rio Claro, fui até Campinas para uma visita à UNICAMP, então recentemente criada. O objetivo da visita era conhecer os computadores da universidade e discutir o futuro da computação e sua possível influência na sociedade e na educação.   

 Em relação às imensas expectativas que tínhamos sobre o futuro da nova tecnologia, a visita foi frustante. O professor que nos guiou na visita (esqueci-me de seu nome), mostrando a carcaça do enorme Mainframe, disse-nos que o computador não merecia nossa visita e nossa preocupação. Afirmou que ele era apenas uma enorme máquina de calcular, cuja influência futura seria mínima.

 Da UNICAMP, fomos ao cinema. “Um homem saiu em busca da América. Não a encontrou em lugar algum”, dizia o poster de Sem Destino, na entrada da sala de projeção. O filme valeu a viagem. A imaginação reprimida na universidade soltou-se no cinema.

 A lembrança acoplada das duas cenas  (computador X filme) é tão vívida, que acredito que guardavam alguma profecia. Algum dia descubro qual é, foi ou será.

O homem na Lua – quarenta anos depois

julho 7, 2009

 

 

“É um pequeno passo para um homem,
mas um gigantesco salto para a Humanidade”.

Neil Armonstrong, ao pisar na Lua em 20 de julho de 1969

No dia 20 de junho próximo é comemorado o aniversário da chegada do homem à Lua. Desde o feito inédito, já se foram quarenta anos. A “conquista” da  Lua foi alvo de disputa política e despertou a imaginação humana na época. Recordo-me do cinema. Para mim, sem o filme 2001, uma Odisséia no Espaço,  as imagens do homem chegando e “passeando” na Lua não teriam o mesmo  impacto.

Muitos dos que já viviam se lembram daquele dia como singular. Uma emissora de televisão faz, agora, uma chamada para um especial sobre a efeméride. Solicita que personalidades famosas relatem o que estavam fazendo naquele dia.

Eu era, então, um jovem com olhos pregados na televisão. A visão daquela figura meio cangurulesca saltitando pela Lua deu-me a sensação de que, para o homem, nada era impossível.

Bom ser jovem, crédulo e vivendo a certeza de que pertencia a uma espécie ainda imperfeita, mas quase divina.

Quarenta anos depois, o entusiasmo arrefeceu. Nas viagens espaciais, não se foi muito mais longe. A consciência das enormes distâncias cósmicas é hoje mais presente. A minha crença sobre a quase divindade da espécie humana também se foi.

Estamos tão longe de aspirar à divindade quanto as estrelas que, então, desafiavam a nossa imaginação.

Saudades…

Outra vez BOAL

maio 21, 2009

 

Por Eduardo Sposito

Quero aproveitar pra contar mais alguma de minha relação a distância com o Boal. Queria até chamar de “Canto do exílio” ou o Exílio no meu canto, já que nós que não saímos do país porque não éramos tão importantes para a ditadura, tivemos que amargar o nosso cantinho dentro da pátria.

No ano da desgraça de 69, acabei ficando desempregado. Consegui em 1970 algumas aulas de Português num curso de madureza em Vila Galvão, Guarulhos. Acontece que o curso estava que só dava prejuizo, por isso os sócios abandonaram o barco. Eu não pude porque tinha casado e morava no prédio onde funcionava o dito curso. Acabei herdando o prejuizo e virei proprietário da dívida. Tive sorte pois aumentou o número de alunos e eu conseguia pagar o aluguel e às vezes os professores.

A coisa era braba. De manhã eu ia pra faculdade e voltava para casa à tarde, sem café da manhã e sem dinheiro pro pastel de palmito nos barracos da Usp. Alguém aí já andou na rua olhando pro chão pra ver se alguem possa ter perdido dinheiro… já passei por essa no trajeto pelo vale do Anhangabau. Quando sobrava uns trocos, comprava aquela Paçoca da Confiança – era uma delicia: sem muito açúcar e feita mesmo de amendoim, sequinha sem ser esfarelenta. Tão boa, que logo tiraram de circulação.

Mas o que tem a ver o Boal com isso? É que no curso de madureza, assumimos o papel de promover o que na época se chamava conscientização dos alunos. Tínhamos até assessoria do PC do B pra isso. Então fizemos um grupo de teatro e fomos assistir um espetáculo no Arena, especial para estudantes. Aí nos encontramos (não presencialmente, como se diria hoje) através dos textos. E o nosso contato foi através do texto do Espetáculo “Chiclete & Banana”, de Boal e Chico de Assis, cujo LP tenho até hoje.

É um texto altamente didático sobre o imperialismo cultural através da música, mostrando o samba que sai do morro e entra no circuito Miami-Copacabana, fazendo a trilha sonora da política da boa vizinhança e voltando “pro morro, onde está o meu cachorro vira-lata, minha cuica, meu ganzá.” Mostra a exploração via mambo, rumba, bolero “made in USA”. E introduzindo o famoso samba de Jackson do Pandeiro, conclui: “só iremos mascar o seu chiclete, no dia em que eles comerem a nossa banana.”

 E como dizia o texto do Arena conta Zumbi: “Assim passei os dias que me deram pra viver…

Obrigado, Boal

maio 11, 2009

por Eduardo Sposito

Todos os que naqueles tempos ousamos mexer com teatro tinhamos uma profunda admiração pelo Boal e aprendemos muito com ele. No meu caso pessoal, o “tema” do meu casamento foi buscado no “Arena conta Zumbi”, de Boal e Guarnieri, em especial o texto inspirado em “Na selva das cidades” do Brecht.

Além disso, ainda no seminário católico onde fazia filosofia, numa exibição no palco do teatro paroquial na Igreja Santa Terezinha no Jaçanã, ousamos reproduzir um trecho do “Revolução na América do Sul” do Boal. Vou tentar reproduzir o conteúdo do texto, que foi onde recebi minha primeira aula de sociologia sobre o funcionamento do sistema capitalista.

Era a história de um operário – José da Silva( se não me engano) – que vai pedir um aumento ao patrão, pois seu filho “que nasceu ontem” estava chorando de fome e ele não tinha como comprar o leite. O patrão bonzinho resolve atender o pedido.

O Zé, todo feliz, resolve passar no açougue pra comprar um pedaço de carne, no lugar do osso que ele sempre comprava para a sopa. Aí começa o drama: a carne tinha aumentado de preço. Ele reclama com o açougueiro, que manda ele reclamar com o dono do caminhão, que era o culpado, porque aumentou o frete. O dono do caminhão diz que o culpado era o dono pneu, que tinha aumentado o preço do pneu.

O dono do pneu era seu patrão então ele vai reclamar dizendo que ele era o culpado pelo aumento do preço da carne. O patrão então lhe diz:”O culpado é você que pediu aumento e eu tive que aumentar o preço do pneu.” Aí o Zé conclui: “O culpado não sou eu. O culpado é meu filho que nasceu ontem e estava chorando de fome. Moleque safado: tão novo e já está desorganizando a economia do país.” (Mais tarde o Chico desenvolve o mesmo tema em “Opera do Malandro”).

A imagem que eu tenho do Boal está marcada pelo texto acima. E no curso de Ciências Sociais que fiz depois, pouca coisa foi acrescentada ao que está dito aí. Na hora que estou escrevendo este texto, recebo uma ligação dizendo que a Sheila, do grupo de teatro Desafio daqui de São José do Rio Preto, está muito triste com a morte do Boal. E a Sheila tem só 21 anos. Acho que é a melhor homenagem que o mestre poderia receber.

Obrigado, Boal.

Ginásios Vocacionais

janeiro 22, 2009

Por Sandra Machado Lunardi Marques

A propósito do post 68 – Dezembro, em Brasília!!, de Olga Maria Salati Marcondes de Moraes, recebi por e.mail o seguinte texto de Sandra Lunardi Machado, também colega do Curso de Pedagogia, turma de 68, da FAFI de Rio Claro (hoje UNESP).

Alga Marinha, por que eu não fui? 6 caipiras em Brasília?

Ainda  bem que foi documentado!

A proposta era avançadíssima – conteúdos nucleados ao eixo – vida/trabalho, ser acolhido na casa dos professores. Perda inestimável!

Mas, esse fato me lembrou de outro: se não me falha a memoria, em setembro de 1968. O Ginásio Vocacional de Rio Claro acolheu um congresso dos Institutos Isolados de Ensino Superior, cercado dos cuidados habituais, ou seja, estudantes em pontos estratégicos, com walkie-talkies (nossos amigos Willie e Richard eram alguns dos vigilantes de plantão) etc. e tal. Pois bem, eu estava na mesa de debates, secretariando o encontro, mas não tenho nenhuma foto do evento.

No estanto, quando entrevistei ex-professores do GV de Rio Claro, vários deles mencionaram o fato, que por sinal  tornou-se uma das provas para a condenação de Maria Nilde: ceder o prédio para um encontro de subversivos.

Naquele ano, todos os Vocacionais sofreram invasões no mesmo dia e hora, planejadas pelo 5º GECAM de Campinas. Nessas ocasiões, eles dispensavam todos os alunos, criticavam o uso da auto-avaliação como prática bolchevista, arrobavam os armários dos professores e apreendiam material subversivo – livros do Paulo Freire, “Geopolítica da fome”, de Josué de Castro, e pasmem, fotos e mais fotos do povo fazendo ginástica numa praça de Moscou, cuja reportagem foi extraída da revista “Manchete”.

Embaixo de uma disputa sórdida pelos rumos da educação pública que opôs , simplificando os termos , defensores da qualificação da cultura a defensores do aligeiramento e da pseudo-qualificação do ensino médio, pavões da USP defendendo sua cria – o Colégio de Aplicação, pais de alunos das classes médias e da elite, cujos filhos perderam sua vaga para os de extratos pobres da população, uma vez que o Vocacional usava porcentagens da representatividade social como um dos critéios de admissão, etc.. A soma de tudo isso levou nossa mais brilhante pedagoga às garras do delegado Sérgio Paranhos Fleury, sob os cuidados do qual ela perdeu a visão de um olho.

Moral da história: ao tentar desqualificar a história, ora tachando os Vocacionais de subversivos, ora de elitistas, a pátria amada nos obriga a cada ano a inventar a roda quadrada, claro. Currículo hoje é um tira-e-põe no mesmo horário, troca troca devidamente aprovado pela alta administração. Cruz credo!

Canto do cisne dos grandes festivais faz 40 anos

setembro 2, 2008

 

 

Em Arquivo68, entremeando as Memórias e Outras Histórias, um assunto puxa o outro. Antonio Morales acaba de postar um artigo sobre Sérgio Ricardo. O artigo remete aos festivais dos anos 60. Ele chamou-me a atenção para o fato de que, debalde as inúmeras tentativas de ressuscitamento, os festivais de música nunca mais tiveram o mesmo brilho. Pensando nisso, eis que me deparo com o artigo de Celso Lungaretti: Canto do Cisne dos grandes festivais, o III FIC faz 40 anos, que assim começa:

“A época de ouro dos festivais de música popular vai até 1968, pois em dezembro daquele ano o Brasil entrou no inferno do AI-5 e os artistas, intimidados e censurados, não puderam mais exercer verdadeiramente seu ofício.

O canto do cisne do período de maior efervescência musical que o País já conheceu foi o III Festival Internacional da Canção, da Rede Globo, realizado em setembro de 1968, em meio a passeatas que degeneravam em batalhas campais, mortes de opositores da ditadura, denúncias de torturas, ações armadas da esquerda, atentados dos grupos para-militares de direita (o Comando de Caça aos Comunistas acabara de espancar o elenco da peça Roda Viva) – a ante-sala do inferno, enfim.”

Para quem se interessar, postamos o artigo completo em Páginas 35. Ou, se preferirem, vejam o artigo em Café História, seu contexto original.