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A passeata dos cem mil

junho 25, 2008

Dia 26 de junho de 2008. Quarenta anos atrás, acontecia a “Passeata dos Cem Mil”, no Rio de Janeiro. A propósito da data, publicamos em Página 30: 1968 – A Passeata dos cem mil, de Manoel de Andrade. Publicado originalmente em Palavras, todas palavras. Vale a pena conferir.

Seria muito interessante se um dos nossos “prometidos” autores do Rio ou o leitor que tenha participado da passeata, publicasse um post contando a sua experiência. Vamos nessa?

Geraldo Vandré, 70 anos

junho 25, 2008

Deparei com o texto abaixo no site Digestivo Cultural. Comuniquei-me com o autor que gentilmente autorizou sua reprodução aqui no ARQUIVO 68.

por Vitor Nuzzi

“O problema é que você quer falar com Geraldo Vandré. E Geraldo Vandré não existe mais, foi um pseudônimo que usei até 1968.” Ele estava particularmente irritado naquela noite, em agosto de 1985.

Há pouco, ficara sabendo que não haviam permitido o acesso ao prédio a um antigo porteiro.
Naquela noite, conheci um pouco da fúria daquele homem de voz grave, que estava prestes a completar 50 anos e vivia, como ainda vive, em um antigo prédio na região central de São Paulo, com o apartamento mergulhado na penumbra e cheio de livros por todos os lados. E pelo menos um violão.

O próprio Geraldo havia ligado para mim, meses antes, depois que eu, ainda estudante de Comunicação, tinha conseguido localizar o seu telefone na hoje extinta Superintendência Nacional de Abastecimento (Sunab), em que ele trabalhava como fiscal – cassado em 1968, havia sido anistiado em 1979.

Deixei recado ao doutor Geraldo Pedrosa, e na manhã seguinte uma voz empostada fala comigo. “Aqui é Geraldo. Você ligou para mim?” Combinamos de nos encontrar à noite, por volta de 19h. “Por volta, não. Às 19h”, decretou Geraldo.

O paraibano Geraldo Pedrosa de Araújo Dias completou 70 anos no dia 12 de setembro de 2005. Nascido em João Pessoa, aos 16 anos foi para o Rio de Janeiro. Entre ginásio e colégio, passou por Nazaré da Mata (PE) e Juiz de Fora (MG). No Rio, estudou Direito (de 1957 a 1961) para satisfazer a família, mas depois pendurou o diploma e foi viver de música. Ou de arte.

O sobrenome artístico veio do segundo nome do pai, o médico José Vandregísilo. Começou usando o nome artístico de Carlos Dias, homenagem aos cantores Carlos Galhardo e Carlos José. O Dias era de seu próprio sobrenome.

Foi influenciado pela Bossa Nova, mas depois introduziu outros elementos em sua música – “em termos musicais, ele começava a travar uma luta sonora com o meio ambiente da bossa nova e com suas próprias influências jazzísticas”, escreveu o crítico Tárik de Souza, em artigo publicado no livro Oitenta (L&PM Editores, 1979).

E os seus 70 anos passaram despercebidos. Geraldo andava, inclusive, meio sumido até poucas semanas atrás, quando os atendentes de uma padaria na região central de São Paulo, reencontraram o antigo freqüentador, que continua no mesmo velho apartamento, mas costuma se ausentar com freqüência.

Sempre de camisa branca, normalmente com símbolos da Força Aérea Brasileira (FAB). Também é assim que os funcionários de um restaurante na rua Xavier de Toledo, perto dali, costumam vê-lo. Camisa branca e vastos cabelos brancos. Um homem magro, que normalmente almoça sozinho.

Vandré, militares, Força Aérea? A relação parece estranha, mas vem dos tempos de criança. O pequeno Geraldo tinha 4 anos quando explodiu a 2ª Guerra Mundial, e ele gostava de imitar o vôo de caças. “Porque só tu soubeste enquanto infante/ As luzes do luzir mais reluzente/ Pertencer ao meu ser mais permanente” são os versos finais de “Fabiana”, escrita em 23 de outubro de 1985 “em honra da Força Aérea Brasileira”.

Daí o nome, “Fabiana”. Em 1995, ele esteve presente a uma comemoração da Semana da Asa, em que cadetes da FAB cantaram a sua composição. “Musicalmente é uma valsa. Literariamente, compõe de três estrofes de seis decassílabos e um refrão de três versos de seis sílabas”, explicou, didático, em entrevista ao jornal paulistano Diário Popular (atual Diário de São Paulo) em 26 de julho de 1991.

Dez entre dez pessoas citarão “Pra não Dizer que não Falei das Flores” (subtítulos “Caminhando” e “Sexta Coluna”) como a sua música mais famosa. Outros lembrarão de “Disparada”, celebrizada por Jair Rodrigues. Poucos, certamente, lembrarão de “Pequeno Concerto que virou Canção”, “Samba em Prelúdio”, “Quem Quiser Encontrar Amor”, “Canção Nordestina”.

E quem lembrará que foi Vandré quem primeiro defendeu uma música de Chico Buarque em um festival? Pois foi ele quem cantou “Sonho de um Carnaval”, do novato Chico, no 1° Festival de Música Popular Brasileira, em 1965. Os dois dividiriam o prêmio do Festival da Música Popular Brasileira em 1966, quando “A Banda”, de Chico, e “Disparada”, de Vandré e Théo de Barros, dividiram a torcida.
“A Banda” ganhou no júri, mas o prêmio foi dividido por imposição do próprio Chico.

Em setembro de 1968, seria a vez de Vandré sair em defesa de Chico – e de Tom Jobim –, diante de milhares de pessoas no Maracanãzinho (jornais da época falam em 30 mil), no Rio de Janeiro. A maioria queria ver “Caminhando” como vencedora da fase nacional do 3° Festival Internacional da Canção, promovido pela TV Globo, e por isso vaiava a decisão do júri, que escolhera “Sabiá”.

“Antônio Carlos Jobim e Chico Buarque de Hollanda merecem o nosso respeito. (…) Pra vocês que continuam pensando que me apóiam vaiando… (…) A vida não se resume em festivais”, disse Vandré, enquanto a multidão acenava com lenços brancos.

Pouco depois, em dezembro de 1968, ele sumiu dos palcos. Naquele período, “Pra não Dizer que não Falei das Flores” foi proibida e sua cabeça, posta a prêmio. Em artigo publicado em outubro daquele ano no jornal O Globo, Nélson Rodrigues chegou a afirmar que “nunca se viu uma Marselhesa tão pouco Marselhesa”. Sentindo-se ameaçado, Vandré decidiu desaparecer (na mesma época, Caetano Veloso e Gilberto Gil foram presos).

Segundo o compositor Geraldo Azevedo, no dia em que foi decretado o Ato Institucional 5 (13 de dezembro de 1968), Vandré e o Quarteto Livre (do qual Azevedo fazia parte) iriam se apresentar em Brasília. Depois de permanecer escondido por amigos, ele fugiu disfarçado e com passaporte falso no carnaval de 1969.

No Chile, seu primeiro destino, Vandré manteve contatos com artistas locais e gravou um compacto com as músicas “Desacordonar” e “Caminando” – quem recebeu da mão dele um desses compactos tem o exemplar numerado pelo próprio autor.

De lá, viajou para a Europa – no final de 1970, gravaria na França o pungente “Das Terras de Benvirá”, seu quinto LP – e seria o último, lançado no Brasil apenas em 1973 (na França, foi lançado um compacto, “La Passion Bresilienne”). “Foi algo quase de improviso”, conta Marcelo Melo, que participou da gravação e pouco depois formaria o grupo Quinteto Violado. Em 1971, Vandré voltou ao Chile.

Em 1972, ganharia um festival no Peru com “Pátria Amada Idolatrada, Salve, Salve”, parceria com Manduka (falecido em 2004), filho do poeta Thiago de Mello e da jornalista Pomona Politis. O retorno oficial ao Brasil aconteceu em 21 de agosto de 1973. “Quero agora só fazer canções de amor e paz”, declarou ao Jornal Nacional, na chegada, em Brasília, lembrando que nunca esteve vinculado a qualquer grupo político.

Na verdade, Vandré teria chegado ao Brasil um mês antes, em julho de 1973. Foi direto ao I Exército, no Rio de Janeiro. A sua permanência no país teria sido condicionada à entrevista ao JN. “Nunca fui preso, torturado, essas coisas que dizem por aí”, afirmou à revista VIP Exame em março de 1995. Essa é uma parte obscura da vida do cantor, que enfrentou sérias crises de depressão. De todos os artistas daquela geração, foi o único a não se apresentar novamente em um palco brasileiro, embora continue a fazer música.

No início de agosto de 1982, por volta de 200 pessoas testemunharam a volta de Geraldo Vandré aos palcos. Foi em uma sala de cinema em Puerto Stroessner, na fronteira do Paraguai com o Brasil. Cantou do lado paraguaio. Defendia a anulação de todos os atos praticados com base no AI-5 – o que, na prática, significaria o retorno à Constituição de 1946.

“Não houve aplausos nem gritos (na entrada de Vandré)”, contou a repórter Ruth Bolognese, do Jornal do Brasil, em texto publicado dia 9 de agosto. Foram dez músicas, quase todas inéditas. “E falam em liberdade, soldados, homens fracos e fortes, homens aprendendo a ser gente.”

Era o mesmo Vandré capaz de, numa noite qualquer de um sábado de 1985, pedir para esperarmos diante de um Pronto-Socorro municipal na zona norte de São Paulo, de onde ele sairia uma hora depois disposto a discutir os motivos pelos quais a cadeira de dentista é tida como um local de sofrimento. Ou capaz de ser preso em novembro de 1974, após se desentender com um taxista em Mogi das Cruzes, interior paulista, e terminar o dia jantando na casa do delegado.

“Assim como outros grandes, o tronco Vandré resultou em vários galhos relevantes”, escreveu, em 1999, o jornalista Luís Nassif, citando Quinteto Violado – que em 1997 gravaria um CD só com músicas dele –, Geraldo Azevedo, Vital Farias e Xangai. Sábado, dia 17 setembro, talvez tenha sido realizada a única homenagem pública a Vandré: Jair Rodrigues, que imortalizou “Disparada”, e o próprio Quinteto Violado se apresentaram em Brasília, justamente onde haveria o show em 1968, quando a carreira de Vandré foi interrompida. “Sinto falta dele”, diz Jair.

Um homem que recusou delicadamente um pedido de entrevista, feito anos atrás, com a seguinte resposta, escrita à mão: “Trata-se de uma sociedade para a qual a BELEZA cumpre função secundária e dispensável. Aqueles que se ocupam da beleza têm, portanto, função secundária e dispensável”. Mas ele termina a mensagem dizendo que “sem beleza não existe O HOMEM FELIZ”. E assina: Vandré, com um PS datado de 14 de junho de 1995: “Cada vez mais distante”.

Muitos o consideram louco. Certamente, ele não tem certas convenções sociais. Nassif chamou-o de “solitário e desconexo”, “triste como a própria solidão na qual se meteu”. Mas se Vandré sempre buscou a beleza, talvez seja um homem feliz.

Vitor Nuzzi
São Paulo, 27/9/2005

Quadrante IV – Nosso Lar

junho 19, 2008

No quarto e último dos quarteirões de Rio Claro (SP) que tomei como quadrante e como referência para analisar minha vivência em 1968, estava o Nosso Lar. Nosso Lar é uma instituição para menores abandonados, que funciona até hoje.

O abrigo de menores tomava o quarteirão inteiro. Apenas um pequeno portão, situado no meio de um dos lados de mesmo comprimento, dava acesso ao interior do orfanato. A foto do portão é recente, mas a entrada para o Nosso Lar parecia não ser muito diferente em 1968. A entrada era assim escondida e grandes construções já ocupavam um terreno de 10.000 metros quadrados, cercado por muros que não permitiam ver de fora o que se passava lá dentro.

De todos os lados do quadrante, é o único lugar onde nunca estive. Quando criança, sempre passava por perto. Lembro-me de contornar os seus muros, na lida de explorar o mundo ou procurar pelos cavalos que meu pai soltava para pastar nos arredores. Os muros pareciam muito mais altos naquele tempo. A altura das coisas é medida também pelo nosso tamanho. Talvez seja essa a única forma de medir da criança. Pela memória de meu olhar posso imaginar a métrica infantil dos que viviam lá dentro.

Quando criança, tinha uma vaga idéia e nenhuma curiosidade sobre o que se passava por lá. Também na juventude, o meu envolvimento com a igreja progressista e com suas preocupações sociais não foi suficiente para chamar a atenção para o Nosso Lar. Continuei ignorando o que lá se fazia e suas relações com os valores que eu pensava e dizia ter.

Em 1968, a nossa sala de aula ficava quase em frente do portão principal do Nosso Lar. Os muros baixos e vazados da FAFI permitiam um cotidiano e distraído olhar para a quase despercebida entrada do Nosso Lar. Acho que nunca o vimos. Pelo menos, nunca conversamos sobre ele. Nem em 1968, nem nos anos posteriores, nem nunca até hoje, Nosso Lar entrou em minhas cogitações ou preocupações educacionais. Não tenho certeza, mas acho que o mesmo ocorreu com toda minha turma de Pedagogia.

No decorrer da nossa vida universitária, em estágios curriculares, tomamos contato e procuramos atuar dentro da realidade da escola pública e apoiar, dentro de nossas possibilidades, o seu desenvolvimento. Acho que ninguém escolheu o Nosso Lar como campo de estágio ou como espaço de intervenção educacional. Eu, pelo menos, estava ligado no tempo, nas grandes mudanças, nos grandes horizontes. Nunca consegui ver a necessidade e a oportunidade educacional que estavam bem na frente do meu nariz.

Em uma análise em quadrante das funções conscientes, Jung opõe o pensamento ao sentimento e a percepção à intuição. Diz que, dessas funções (pensamento, sentimento, percepção e intuição), uma é sempre a principal função de relacionamento com o mundo e que a função oposta é sempre a menos desenvolvida, ou a função inferior. Quem se relaciona com o mundo a partir de juízos de realidade (pensamento) tem muitas dificuldades de lidar com os juízos de valor (sentimento). Até o que é mais óbvio passa despercebido para a função inferior. Quem se relaciona de uma forma intuitiva com o mundo desconhece a riqueza de detalhes que o perceptivo consegue ver.

Jung diz também que tarefa principal de crescimento na vida adulta é o desenvolvimento da função inferior. Nosso Lar representa, em minha vida, a função inferior.  A questão da educação e do cuidado com os “abandonados ou desvalidos”, por mais que eu me afaste, bate continuamente à minha porta. A cada afastamento resulta em uma aproximação ainda mais estreita. Até quando?

Arena Conta Zumbi

junho 16, 2008

O post anterior, Cenas – 68 do Eduardo Sposito, motivou este. Também motivou a postagem da Página 29 Arena Conta Zumbi: A canção engajada no Teatro.  No seu post, Eduardo fala da peça teatral  Arena Conta Zumbi e da importância dela em sua vida. Tão importante a ponto de incluí-la em sua cerimônia de casamento.

Sem considerar a fluição da arte, Arena Conta Zumbi acompanha desde sempre a minha vida profissional. Já fez parte de muito projeto de curso. Não me foco nas partes escolhidas por Eduardo, embora goste delas. De Arena, fixei-me em A Mão Livre do Negro (Estatuinha) e Ave Maria. Dos motivos, os textos dizem por si.

Também inclui vídeos dos referidos segmentos. No vídeo de Ave Maria, a interpretação de Lima Duarte compensa a inadequação das imagens.

 

 

A Mão Livre dos Negros

 

Se a mão livre do negro tocar na argila

O que é que vai nascer?

Vai nascer pote prá gente beber

Nasce panela prá gente comer

Nasce vasilha nasce parede

Nasce estatuinha bonita de se ver

 

Se a mão livre do negro tocar na onça

O que é que vai nascer?

Vai nascer pele prá cobrir nossas vergonhas

Nasce tapete prá cobrir o nosso chão

Nasce caminha prá se ter nossa ialê

E atabaque prá se ter onde bater

 

Se a mão livre do negro tocar na palmeira

O que é que vai nascer?

Nasce choupana prá gente morar

E nasce a rede prá gente se embalar

Nasce as esteiras prá gente deitar

Nasce os abanos prá gente abanar

Prá gente abanar

Prá gente abanar

 

 

 

Ave Maria

Ave Maria cheia de graça

Olorum é convosco

Bendita sois vós entre as mulheres

Bendito é o fruto do vosso ventre

Bendita é a terra que plantamos

Bendito é o fruto que se colhe

Ave Maria. Bendito Seja

Ave Maria cheia de graça Olorum

Bendito é o trabalho nesse campo

Bendita é a água que se bebe

A mulher de quem se gosta

Bendito o amor, nossos filhos

Ave Maria, cheia de graça

Ave Maria. Bendito seja Olorum

 

Bendita a palmeira, o rio, o canavial

Bendito o peixe que se come

Bendito o gado que se come

Ave Maria, cheia de graça

Ave Maria. Bendito seja Olorum

Bendita a flecha e a caça

Ave Maria. Bendito seja

Bendita a enxada e a semente

Bendito seja cheia de graça, Olorum

Perdoai os nossos erros

Ave Maria, cheia de graça, Olorum

Perdoai, Ave Maria

Perdoai a morte que matamos

O assalto, o roubo, perdoai

Perdoai, Ave Maria

Ave Maria, cheia de graça

Perdoai, Ave Maria, Olorum

Perdoai o nosso orgulho

Perdoai, Ave Maria

Perdoai a fuga do cativeiro

Perdoai, Ave Maria

Perdoai a nossa coragem

Perdoai, cheia de graça

Perdoai a nossa rebeldia

Perdoai, Ave Maria

Perdoai as nossas dívidas

Perdoai, perdoai

Assim como nós perdoamos os nossos senhores

Perdoai, Ave Maria

Ave Maria, cheia de graça, Olorum

Amém! Amém! Amém

68 – Cenas

junho 14, 2008

por Eduardo Sposito

Cena 16 – CASAMENTO TRAÍDO

Nós achavamos que estávamos fazendo todas as revoluções. Por isso as cerimônias de casamento também tinham que fugir à normalidade. Casei-me em 71, e não podia ser diferente.

O casamento foi realizado na capela do seminário em que estudei, no Jaçanã, zona norte de São Paulo (Hoje lá é um hospital psiquiátrico, não sei bem).

Negociei com o celebrante (que tinha sido o Diretor do Seminário) a liturgia para a cerimônia, que foi totalmente alterada. Basicamente: a noiva e o noivo entrariam juntos com os pais até o altar, onde os pais seriam dispensados com um discurso da noiva. Em seguida a cerimônia de mútua aceitação e de amor, concluindo-se com um discurso do noivo, tentando explicar o sentido da cerimônia.

Até porque, como se diria hoje, era um casamento temático. O convite foi feito num duplicador a álcool (o mesmo que foi usado pros textos da Martha Harnecker) e a capa do panfleto dizia:”Eu vivo num tempo sem sol” – que era o tema do poema do Brecht que inspirou a peça Arena Conta Zumbi.

Em resumo, se dizia que aquele não era propriamente um tempo de festas, com colegas nossos presos, torturados e desaparecidos. E que o que desejávamos era celebrar o amor e convidar a todos para participar dele.

O fundo musical era adequado para isso:

A música do Vandré, o frevo “João e Maria“, onde ele dizia que o povo andava atrás de qualquer alegria e jogou sua esperança na cantiga de João para Maria, concluindo com: “Quem sabe o canto da gente, seguindo na frente prepara o dia da alegria”.

Depois entraria o trecho da peça “Arena Conta Zumbi” em que se musicava o poema do Brecht, “Na Selva das Cidades”. Lembro alguns trechos: (alguns são do poema, outros da adaptação feita pelo Guarnieri (se não me engano) com música de Edu Lobo).

“Nasci na cidade no tempo da revolta
todos os caminhos iam dar no despenhadeiro”
“Veja bem, que preparando caminho da amizade
não podemos ser amigos: ao mal vamos dar maldade”
“É um tempo de guerra, é um tempo sem sol”(estribilho)
“E você que me prossegue, e vai ver feliz a terra
Lembra bem do nosso tempo, desse tempo que é de guerra.
Porque essa terra eu não vou ver”

Ou como dizia o Brecht:
“E você, que vem na crista da onda em que nos afogamos
ao lembrar deste tempo sombrio, pensa em nós com bondade.”

E pra encerrar, o “Caminhando” do Vandré.

E aí é que vem a traíção…à cerimônia:

O Walmar tinha ficado encarregado da sonoplastia: colocar os Lps na Vitrola na hora certa e com a música escolhida.

No lugar do “Tempo de Guerra”, ele colocou o “Universo do teu corpo” da Taiguara, o que não foi tão mau, porque a música é ótima e o Taiguara, engajado. Mas o que eu não perdoei, foi trocar o “Caminhado” pelo “Jesus Cristo, eu estou aqui” do Roberto Carlos!

Ele alegou não ter encontrado os discos, mas acho que ele tentava me “proteger” dos exageros esquerdistas.

Em todo caso não posso reclamar, porque o Walmar tinha sido vítima de um sequestro relâmpago pelos paramilitares da Operação Bandeirantes (braço armado marginal da repressão), colocado numa das terriveis Veraneios, ameaçado de morte se não se afastasse dos comunistas e abandonado num matagal.

Como se vê, foram aqueles bandidos que inventaram o sequestro relâmpago

Cena 17 – CANTIGAS DE EM…BALAR

Aproveitando a deixa da Cena 16, gostaria de lembrar músicas que embalavam o nosso (ou pelo menos, o meu) sonho revolucionário. Algumas só fizeram sucesso na época, ou só no meio dito “engajado” e hoje são pouco lembradas.

Muitas vezes uma palavra ou expressão, ou um modo de cantar adquiriam um sentido que pra nós era suficiente.

O teatro forneceu um bom repertório para isso:

O “Morte e Vida Severina” com o funeral do lavrador, (“Essa cova em que estás com palmos medida/ …é a terra que querias ver dividida”). Um trecho muito bonito era o da “Moça da Janela” que dizia que “aqui só prosperam aqueles que fazem da morte ofício ou bazar”.

O “Arena Conta Zumbi” com o trecho citado na cena 16, e cujo maior sucesso foi “Upa Neguinho” na voz da Elis.

O “Show Opinião” com Nara/Bethania, Zé Keti e João do Vale: “podem me prender, podem me bater, podem até deixar-me sem comer… que eu não mudo de opinião” – e a mais conhecida “Carcará

O “Chiclete com Banana”, do Boal, baseado na música do Jackson do Pandeiro e que desmacarava a utilização da música popular pela mídia a serviços dos americanos, com trechos interessantes de entreguismo (“Até minha gente do morro só canta bolero e versão.Trocaram meu samba, coitado, por um piano alemão), até a reação contra a invasão de “mambo, rumba made in USA (iuesseei)”, cantado “Voltei pro morro, onde está o meu cachorro, meu cachorro vira-lata, minha cuíca, meu ganzá. Voltei pro morro, mas onde estão minhas chinelas que eu quero sambar com elas pelas ruas da cidade. Voltei! Voltei! Ah, se eu não mato essa saudade eu morro. Voltei”

E na época saíram Lps com as músicas dessa peças. O “Chiclete..” eu tenho.

Queria lembrar algumas que eu acho esquecidas:

Do Vandré, além do “João e Maria” da cena 16, lembro-me do “Porta Estandarte”, cantado pela Tuca, no festival da Excelsior em que a Elis ganhou com “Arrastão” de Edu e Vinicius. O refrão do “Porta Estandarte” era: “Na avenida girando o estandarte na mão pra anunciar”

Ainda do Vandré, a música do “Hora e a vez de Augusto Matraga”, mais ou menos isso:

“O que sou nunca escondi.
vantagem não contei.

Muita luta já perdi, muita esperança gastei
Até medo já senti, e não foi pouquinho não.
Mas fugir, nunca fugi. Nunca abandonei meu chão
O terreiro lá de casa não se varre com vassoura
varre com ponta de sabre, bala de metralhadora
Quem é homem vai comigo, quem é mulher fica e chora
Quero a quem anda comigo, sua vez e sua hora”

E tinha o Cesar Roldão Vieira. Se não me engano era dele, cantada pela Elis:

“Sapato de pobre é tamanco, a vida não tem solução.
Morada de rico é palácio e casa de pobre é barracão
A mulher do branco é esposa, a esposa do negro é mulher.
Mas minha mulher é só minha, e a do branco eu não sei só dele é.
A terra do dono é só dele, ali ninguém pode mandar.
Mas se eu não pegar na enxada, não tem ninguém pra plantar.”

Em resumo: não dava pra ficar alheio a isso tudo.

A música em 1968: os hits e os rapas

junho 11, 2008

A propósito da página 28. A música em 1968 – Os hits e os rapas, acho interessante postar as músicas de 1968 de dois grandes ícones até agora esquecidos por nós: Chico Buarque de Holanda e Roberto Carlos.

Reminiscências

junho 10, 2008

por Antonio Ozaí da Silva

Visitando o Blog do Ozaí, deparei com a matéria abaixo que tem tudo a ver com o Arquivo 68. Consultei-o sobre a possibilidade de postá-lo aqui e ele gentilmente nos visitou, gostou e gentilmente colocou lá um link de nosso Blog. (Antonio Morales)

Num tempo não muito longínquo éramos todos democratas. Lutávamos contra a ditadura militar, contra a violência institucionalizada e contra o dedurismo, oficializado dentro e fora das universidades.

Arriscávamos nossas vidas praticando, mais do que teorizando, o bom combate pela liberdade de expressão e de organização, pelo direito de greve, pelo direito de eleger diretamente nossos governantes. Éramos contestadores da ordem.

Era um tempo em que ser preso era um risco iminente presente nas atividades políticas mais simples: um discurso numa porta de fábrica, a participação numa greve, a propaganda política com pichações e afixação de faixas e cartazes nas madrugadas adentro. Tudo poderia ser motivo para tomar um ‘chá de banco’ em alguma delegacia ou passar umas boas horas preso até que viesse o ‘socorro jurídico’.

Lembro-me de certa feita quando colávamos cartazes divulgando o Congresso da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES). Fomos surpreendidos, abordados por policiais militares e literalmente jogados no desconforto do compartimento da viatura.

Nossa liderança, aproveitando-se da escuridão e da topografia da área e talvez por ser mais experiente, fugiu. Assustados como crianças diante do inusitado, espremidos naquele pequeno espaço do veículo, preocupávamos com o que poderia acontecer. Um amigo, mais fervoroso na fé que os demais, começou a rezar.

Outro, tenso, falava sem parar. Irritado, o policial deu-lhe um tapa no rosto. Afora a tortura talvez nada seja mais truculento e afronte a dignidade humana do que sofrer uma agressão deste tipo. Embora, o desprezo a outrem constitua uma forma potencialmente agressiva.

Fomos levados à delegacia. O delegado de plantão se divertiu muito com aqueles fedelhos metidos a revolucionários: fez cara e jeito de durão, ameaçou, aterrorizou. Só queria dar uma ‘lição’: após um bom tempo ali, sem contar com qualquer ajuda externa, a autoridade nos liberou – desde que um dos nossos pais comparecesse à delegacia.

Não lembro como; só sei que a certa hora da madrugada o pai de alguém chegou e fomos libertados. Nunca tocamos no assunto do ‘tapa na cara’ com o nosso companheiro. Mas isto deve tê-lo marcado, como a todos nós.

Éramos jovens sonhadores que pensavam mudar o mundo. Nem tínhamos a exata noção do que realmente era o movimento estudantil, suas tendências políticas, suas táticas e estratégias diferenciadas, a luta pelo poder.

Não sabíamos o quanto éramos manipulados por nossas supostas lideranças, preocupadas na verdade em tomar o poder e o controle da direção das entidades estudantis. Em nossa quase santa ingenuidade, não tínhamos a dimensão da complexidade da política. Tínhamos apenas a certeza de que era preciso fazer alguma coisa e que pensávamos que fazíamos a coisa certa.

Que fizemos a nossa geração? Que fizeram dos nossos sonhos? Onde andarão aqueles fedelhos que o tempo transformou em homens e mulheres responsáveis e adaptados? Alguns se tornaram líderes, outros seguidores; há os que foram bem-sucedidos profissionalmente, outros nem tanto.

Não sei dos outros, mas aprendi a desconfiar dos líderes, dos que precisam de discípulos a segui-los como mariposas em torno da luz – aliás, até se consideram “iluminados”. Compreendo os que necessitam de autoridades para seguir, mas prefiro os que investem na autonomia e na dúvida permanente.

Se eu pudesse aconselhar os jovens de hoje, diria: Duvide de tudo, de todos e até mesmo da suas certezas, por mais absolutas que pareçam!

Mais Ginette Reno

junho 9, 2008

Aqui, Madame Reno canta uma valsa. Muito conhecida. Mas o que mais importa é o cenário, é o guarda-roupa. Quem não viveu os sessenta poderá perceber como era aquele tempo. Quem viveu a época matará saudades.

Memória de músicas que não ouvi

junho 9, 2008

Em 1967 fui hóspede dos padre sionitas, ali na Lino Coutinho, Ipiranga. Fiz grandes amigos no pedaço. Na sala de estar dos sionitas havia discos e revistas da França e do Canadá. Aprendi ali algumas coisas sobre o Québec Livre. Me apaixonei por Françoise Hardy. Voz pequena, afinada sensual. Escutei-a vezes sem conta naquela sala de estar. Tenho hoje quase todas as músicas da primeira fase da Françoise. Continuo encantado, mas agora percebo que a qualidade do conjunto que a acompanha é sofrível. Aliás, a cantora, crítica e irônica, disse numa entrevista que não compreendia seu sucesso, pois suas melodias pouco variavam e os arranjos de seus discos eram toscos. Mas ela era linda e sua voz encantava.

Escutei também vezes sem conta um cantor canadense. Meu francês nunca foi grande coisa. Mas daquele tempo ficou para sempre em minha lembrança a melodia de uma canção e os seguintes versos:

Je veux ceinturer madame la terre

Faire un equateur avéc des souliers

Ano passado, quis descobrir quem era o cantor que há mais de quarenta anos ainda ouço em alguma parte de meu cérebro. Não tinha certeza se meus guardados eram fiéis. Recorri à nossa memória ampliada dos tempos de hoje: a Web. Digitei os versos citados no Google. Para meu espanto, o francês estava aparentemente correto e alguém citava os mesmos versos num blog. Fiquei sabendo então que o cantor cujo nome havia sumido de minha lembrança é Claude Léveillé.

Neste vídeo do Youtube, Léveillé canta Frederic. Acho que era uma das músicas que tantas vezes ouvi na sala de estar dos sionitas. Encomendei um disco do cantor na Amazon. Infelizmente a música que marca minha memória não está lá.

Continuei a buscar na Web mais informações sobre Claude Léveillé. E acabei encontrando uma cantora fantástica: Ginette Reno. Ouvi alguns de seus sucessos no Youtube. E encomendei um álbum duplo de suas músicas dos anos de 1960. Uma obra eclética. Tem iê-iê. Tem músicas bregas. Tem obras primas. Nas fotos, Ginette aparece com aquele sorriso inocente das mocinhas de então. Cabelo a la homme. Algumas das melodias do álbum são conhecidas. Uma delas é uma versão francesa da “Noiva” (em português também uma versão, acho que gravada por Ângela Maria). Mas eu nunca ouvira a maioria das músicas. Fato de pouca importância. Assim que comecei a escutar Ginnette Reno, voltei aos anos sessenta. As orquestrações são tão familiares… e lindas. Aquela moda de subir meio tom da melodia lá pelas tantas já é esperada. A batida é inconfundível: puro sessenta. Ouço vezes sem conta. Tenho outra vez vinte anos.

Não preciso mais comentar memórias de músicas que não ouvi, mas parecem tão conhecidas. Vocês também sentirão o mesmo. Vejam Madame Reno cantando um twist.

Amizade e política

junho 7, 2008

Aconteceu em 1964, ou seriam nos anos seguintes?
Não me lembro bem. Meu pai, ferroviário, militante sindical,
eleito vereador e presidente da Câmara Municipal, foi cassado
pela Ditadura e interrogado pela sua polícia política.

Por pouco não se torna “desaparecido político” apenas por seus
discursos e lutas defendendo os trabalhadores da ferrovia e os
pobres. Mas foi salvo por uma amizade. Era amigo do peito e de
pescarias do delegado da pequena cidade onde exercia suas
atividades políticas.

Os “homens” apareceram por lá e levaram meu pai para
interrogatório na delegacia e na presença do delegado,
autoridade local, o amigo. Já foram logo acusando meu
pai de comunista, acusação recorrente na época contra
todos que discordavam da ditadura e sua política.
Serviu de pretexto para acusar, perseguir, torturar e
“desaparecer” com muita gente.

O delegado não se conformou. Apesar de temer “os homens”
disse:

– Puxa, eu vou pescar com esse homem todo dia, se
ele fosse comunista eu teria percebido. Ele é tão comunista
quanto eu. E vocês sabem que de comunista eu nada tenho!

Um ato de amizade e coragem.

No dia seguinte, minha mãe enterrou todos os livros que havia
em casa em um buraco bem fundo no quintal.
Por via das dúvidas, todos. Aqueles com algo vermelho na capa
ou com a palavra vermelho no título foram queimados, para maior
segurança.

Tempos cabeludos aqueles!