Archive for the ‘Livros’ Category

Os Clandestinos: literatura engajada

fevereiro 12, 2011

Já colecionei muitas canções que podem ser incluídas na série de posts sobre música engajada proposta pelo Kuller. Mas, ao relacionar canções, comecei a pensar que outra fonte interessante de referência artística relativa à nossa geração (a afamada meia oito) poderia entrar na dança. Pensei na literatura engajada. E a primeira obra que me veio à mente foi Os Clandestinos, de Fernando Namora. Mais à frente comentarei o romance do grande escritor português e tentarei mostrar porque a obra escolhida tem tudo a ver com a idéia de literatura engajada e anos sessenta. Antes disso, convém delinear algumas considerações conceituais.

Literatura engajada é uma redundância. A grande arte sempre é engajada. Meu eventual companheiro de botequim nas noites de Ribeirão Preto, Isaias Pessotti, afirmaria com certeza que Eurípides escrevia na velha Atenas peças teatrais engajadas. [Aproveito a chance para recomendar o romance Aqueles Cães Malditos de Arquelau, obra do Isaías que homenageia Eurípides]. O mesmo vale para Cervantes ou qualquer outro clássico das letras. Mas, acho que literatura engajada aqui no Arquivo68 é algo mais limitado, ela deve ser reveladora dos modos de ser nos sessenta ou indicadora de leituras da nossa geração. No primeiro caso cabe, por exemplo, Batismo de Sangue, do Frei Beto. No segundo caso cabem obras atuais ou de outras épocas que fizeram a nossa cabeça. Acho que isso basta em termos de definição.

Devo ainda fazer outra consideração. Fernando Namora é um escritor que se via como um artista engajado. Em prefácio à 8ª edição de Casa da Malta, o romancista luso, ao considerar seu fluir na corrente do neo-realismo, define de várias maneiras como entende o engajamento do artista. Cito  trecho em que ele apresenta motivos do e para o engajamento de sua geração:

A guerra fez emergir, cruamente, realidades fundamentais, até aí escamoteadas: a pobreza, a servidão, as lavas de um poder corrupto; as massas tomavam a iniciativa de sua promoção, forçando os muros da indiferença burguesa, com a qual o artista pactuava; este tinha, enfim, o ensejo de denunciar os compromissos com as classes favorecidas e, desse modo, o ângulo da focagem dos problemas, como a sua expressão, haviam de ser outros. Em vez de sonhos e dramas de alguns, o artista era solicitado por uma realidade experimentada e sofrida pela maioria e esta descoberta estimuladora, cujo ardor mal doseado era uma espécie de rastilho da esperança, impelia a arte para temas em que pudesse exercer, com mais eficácia, o seu papel reivindicador.

Não posso deixar de citar mais um trecho do prefácio a Casa da Malta:

Bem sabemos que o artista, mesmo não se desviando do seu papel social libertador, supera gradualmente a realidade através de uma arte crítica, do lúcido conflito entre o real e a sua rejeição, tendo a beleza de permeio, na qual, portanto, os valores artísticos são cada vez mais ambicionados. Progredindo do rudimentar para o complexo, aprofundando o homem como ser gregário, equacionando as suas dúvidas sem o isolar de um todo social, o novo humanismo acompanha as ansiedades de cada homem, tradu-las, desperta-as, enquanto se dirige a todos os homens. Para tanto, não é necessário amesquinhar a arte nem recusar-lhe as seduções.

É interessante notar que o prefácio a Casa da Malta foi escrito em 1961. Assim, embora o romance seja dos distantes anos de 1940, o escritor mostra-a como obra engajada na década que é objeto das produções deste blog.

Vamos agora a Os Clandestinos. O romance foi publicado em 1972. A minha edição, publicada no Brasil pela antiga Globo, é de 1973. Namora levou um longo tempo para produzir Os Cladestinos. Começou-o em 1963 e terminou-o em 1971. Talvez não seja mera coincidência que a escrita do romance atravesse toda a década dos anos sessenta. Parece que as agitações da época têm a ver com a elaboração da obra.

Vasco, escultor e ex-militante aburguesado, vive aventuras com uma amante desvairada, devassa, liberada, Jacinta. Os encontros dos amantes são clandestinos, a princípio numa casa da periferia, depois num apartamento de classe média na cidade. Cada visita ao apartamento é um ato de clandestinidade para Vasco. Medo, desassossego, cuidados extremos para não se encontrar com qualquer conhecido nas cercanias são componentes de cada encontro. E mesmo no interior do apartamento, por imposição da dona do lugar, Bárbara, cuidados especiais são tomados para não despertar qualquer suspeita dos vizinhos. Além disso, em lugares e eventos públicos frequentados pelos amantes com suas famílias, medo e neurose acabam atormentando Vasco, receoso de que sua mulher, Maria Cristina, ou amigos percebam qualquer sinal daquela paixão proibida.

A clandestinidade dos amantes faz contraponto com narrativas da clandestinidade política de Vasco quando jovem. Os mesmos sentimentos e cuidados de amante se repetem na vida militante. Além disso,  a aventura amorosa do escultor vai despertando memórias de sua atuação política na resistência ao fascismo, nas manifestações, no partido, nas greves etc. Detalhes da militância de Vasco nos anos imediatos ao pós-guerra são muito familiares para quem militou na esquerda nos anos sessenta em nossa terra.

Vasco foi preso político. Em suas memórias revê sua prisão assim como a de companheiros. Interrogatórios intermináveis. Tortura. Receio de que algum companheiro não tenha sido forte o suficiente e entregou os demais. Medo de que certo companheiro fosse um traidor. Desfaçatez e violência dos esbirros da ditadura. Tudo isso vai aparecendo na narrativa das lembranças do escultor. Embora a prisão de Vasco tenha ocorrido no final dos anos quarenta, os detalhes parecem descrição viva da vida de militantes de esquerda nas prisões da ditadura militar no Brasil.

No romance, Vasco lembra-se de eventos na prisão que talvez tenham com base fatos reais. A valentia de Chico Mouro, que apesar de torturas imensas continua a desafiar seus algozes, guarda certa relação com o comportamento de muitos presos políticos nos porões das prisões fascistas de Portugal ou do Brasil. Cabe notar que, apesar da crueldade das torturas, lá e aqui eram raros os companheiros que traíam os demais. Cabe notar, também,  que os torturadores muitas vezes não estavam à procura de informação, estavam sim tentando desumanizar os prisioneiros,anular sua identidade. Fernando Namora descreve a psicologia da tortura, tanto a de torturados como a de torturadores, de uma maneira magistral. Não consigo passar aqui toda a dramaticidade com que ele faz isso.

Os Cladestinos parece um retrato de nossa vida nos anos sessenta. Quem militou na época, ao ler o romance, sentirá que o mesmo parece estar a descrever uma parte de sua vida. Quem  não foi militante naquela época ou nasceu anos depois tem no romance de Namora uma referência dramática que pode ajudá-lo a entender sentimentos da geração dos anos de 1960.

Uma palavra final: o romance de Fernado Namora é também uma obra que pinta o aburgesamento de uma geração lutadora. Artistas, escritores, profissionais liberais, empresários que militaram no passado mudaram muito. Ao mesmo tempo, em algumas situações podem revelar sentimentos que pareciam mortos, voltam a uma vida militante.

Recomendo leitura de Os Clandestinos. Recomendo leitura de outras obras de Fernando Namora. É literatura engajada no sentido que a entendo na relação entre produção artística e valores da esquerda nos anos sessenta.

O que resta da ditadura

março 15, 2010

por Gilberto Costa

Vladimir Safatle: certos setores da sociedade querem apagar a ditadura da história do Brasil

Após a Segunda Guerra Mundial, os judeus sobreviventes revelaram que seus carrascos asseguravam que ninguém acreditaria no que havia ocorrido nos campos de concentração. A história, no entanto, não cumpriu o destino previsto pelos nazistas, muitos foram condenados e o episódio marca a pior lembrança da humanidade.

Crimes cometidos em outros momentos de exceção também levaram violadores de direitos humanos a serem interrogados em comissões da verdade e punidos por tribunais, como na África do Sul, em Ruanda, na Argentina, no Uruguai e Paraguai.

Para filósofo Vladimir Safatle, professor da Universidade de São Paulo (USP), há um lugar que resiste à memória do horror e a fazer justiça às vítimas: o Brasil. Nenhum agente do Estado ditatorial (1964-1985), envolvido em crimes como sequestro, tortura, estupro e assassinato de dissidentes políticos, foi a julgamento e preso.

Em março, será lançado o livro O Que Resta da Ditadura (editora Boitempo), organizado por Safatle e Edson Teles. A obra tenta entender como a impunidade se forma e se alimenta no Brasil. Para Safatle,o Brasil continua uma democracia imperfeita por resistir a uma reavaliação do período da ditadura militar (1964-1985) e por manter uma relação complicada entre os Três Poderes.

Leia entrevista com os organizadores em Página 45 e Página 46

O Filho da Ditadura

fevereiro 19, 2010

O Filho da Ditadura de Juvenal Teodoro Payayá.

É um romance de 178 páginas repletas de amarguras. A apresentação é do cientista político Jorge Almeida.

Tudo começa em primeiro de abril de 1964.

Uma das inovações marcantes no texto é a relação contraditória do indígena com a ditadura militar.

O personagem é forte e foge dos padrões habituais, não se submete e não se deixa tutelar.

Os episódios que destacam torturas a mulheres chamam a atenção para o estupro e o sadismo do torturador.

O ato vil é identificado como prática comum nas prisões das ditaduras da Latino América.

As consequências são Os Filhos da Ditadura.

É um texto forte onde através dos personagens discutem-se Ligas Camponesas, Indústria bélica, Pedra do Cavalo, Cultura indigena, Riocentro, Previdência privada, exilio, vinhos finos e muito mais. Vale a pena sua leitura.

Plínio Marcos, o rebelde

dezembro 20, 2009


A propósito da publicação da biografia de Plínio Marcos pela Editora Leya.

por Juvenal Alvarenga Junior

PLÍNIO MARCOS foi um rebelde, ponto e vírgula. Porque ninguém é uma coisa só. Plínio foi mais que tudo um rebelde. Sua herança literária é um detalhe e sua melhor obra talvez tenha sido ele mesmo. Foi um rebelde da estirpe de Cazuza, Glauber Rocha, Patrícia Galvão (Pagu), Raul Seixas. Jean Genet, Rimbaud, James Dean e tantos outros que desgastaram suas vidas nas trilhas da contestação.

Temperamentos que se ocupam mais de si mesmos e não lhes sobra tempo para produzir aquilo que o talento, farto neles, tem plenas condições de realizar.. Vejam: nenhum deles deixou grande obra. Alguns, uma só. O exemplo clássico é sempre Mário Peixoto com seu mítico e solitário filme, Limite.

Os rebeldes dessa vertente são revolucionários mas não são políticos. Entre os políticos poucos tem vida longa porque lidam com fogo. Os artistas vivem mais porque lidam com a palavra e outros instrumentos que não são letais em si mesmos.

Geralmente curtem o travo doloroso da melancolia quando sua adrenalina ferve no sangue sem um campo lavrado para germinar. Quase sempre são manietados em suas ações em nome da moral e da harmonia social. Sofrem se o anonimato lhes finca no coração o punhal da indiferença. São notívagos porque a agitação mental lhes rouba o sono.

Esse foi o Plínio marcos que conheci nas ruas de São Paulo e muito mais na biografia muito bem pesquisada e escrita pelo Osvaldo Mendes. Na biografia vê-se que ele escreveu pouco e polemizou muito. Eram sempre dois trabalhos. Escrever as peças, o que lhe era fácil e maneiro. Quando leu Brecht disse sem qualquer modéstia que texto igual àquele escrevia às dúzias.

Depois a sempre longa e tortuosa luta para liberar suas obras na censura. O que algumas vezes lhe proporcionou temporadas nas prisões Essa mesma prisão que foi tema recorrente de suas obras. Esteve permanentemente lutando contra a censura e a barreira das instituições. Batalhando contra as rejeições de um modo geral.

Mesmo assim conseguiu ser um homem dos sete instrumentos. Foi palhaço, ator, teatrólogo, cronista, conferencista, romancista, poeta, camelô e alguma coisa mais. Foi, incrivelmente, bom marido, bom pai e sincero amante das mulheres. E seu amor por elas não turvou sua dedicação e cortesia de marido, nem o afeto de bom pai. Mesmo porque não são sentimentos excludentes. Poucos o compreenderam em vida. E não é certo o lugar que ocupará na posteridade.

Como todo contestador não lhe interessava o amanhã. Para ele era tudo aqui e agora. Do tipo que vendia o almoço para comprar o jantar. Só conheceu o luxo de 5 estrelas quando o governador Mario Covas, seu conterrâneo de Santos, lhe ofereceu a suíte privativa do governo no Hospital das Clinicas. Porém, pouco lhe valeu. Já estava à morte.

Seu teatro agressivo e corajoso é quase sempre feito de flagrantes da vida que ele mesmo viveu. Vida de malandragem, de cais do porto, de madrugadas. Sem vazar para os temas mais profundos da saga humana. Falta-lhe a serenidade da reflexão. Mas lhe sobra a sagaz observação do cotidiano o que não é pouco.

Bem, não sou um “pliniólogo” como o Quartim que privou de sua amizade e lhe conhece melhor a obra. Sou apenas um o observador míope de sua obra através de seus filmes. Poucas vezes o vi no teatro. Algumas na rua.

Uma última vez na sala do Quartim na Editora Senac. Nenhuma na televisão. Nunca lhe pedi autógrafo, mesmo porque ele não dava mesmo. Nem eu sou de colecionar essas tetéias. Por isso estas mal traçadas linhas não servem prá nada. Escrevo apenas porque o Küller, incautamente, sugeriu. Reclamem com ele.

Mas ainda há tempo de lamentar que a noite perdeu um de seus mais autênticos personagens.

Glória partida ao meio

novembro 23, 2009


Na próxima quarta-feira, 25/11, a partir das 19h, no Espaço Unibanco
(Rua Augusta, 1475 – próximo à Avenida Paulista), Paulo Martins estará lançando um livro surpreendente: GLÓRIA PARTIDA AO MEIO.

Trata-se de um romance que tem como cenário a capital paulista nos tempos sombrios da ditadura militar.

Para o escritor e poeta Ruy Espinheira, “o autor, que por muitos anos viveu na clandestinidade, tendo sofrido também prisões e torturas, pôs no livro muito de sua própria experiência, mas não escreveu uma autobiografia: escreveu um romance.

Conseguiu extrair uma história de amor (…) O livro de Paulo Martins
nos oferece a mais ampla e contundente visão da época da ditadura no País”. O escritor Hélio Pólvora, responsável pelo prefácio, enfatiza:
“Quem foi jovem e participou, ainda que de forma discreta, do seu foco narrativo, o lerá para não mais esquecer.

Um belo romance de Paulo Martins, cheio de vida e rebeldia, em tudo e
por tudo diferente dos dessangrados e esotéricos romances dos nossos dias”.