Por Eduardo Sposito
Quero aproveitar pra contar mais alguma de minha relação a distância com o Boal. Queria até chamar de “Canto do exílio” ou o Exílio no meu canto, já que nós que não saímos do país porque não éramos tão importantes para a ditadura, tivemos que amargar o nosso cantinho dentro da pátria.
No ano da desgraça de 69, acabei ficando desempregado. Consegui em 1970 algumas aulas de Português num curso de madureza em Vila Galvão, Guarulhos. Acontece que o curso estava que só dava prejuizo, por isso os sócios abandonaram o barco. Eu não pude porque tinha casado e morava no prédio onde funcionava o dito curso. Acabei herdando o prejuizo e virei proprietário da dívida. Tive sorte pois aumentou o número de alunos e eu conseguia pagar o aluguel e às vezes os professores.
A coisa era braba. De manhã eu ia pra faculdade e voltava para casa à tarde, sem café da manhã e sem dinheiro pro pastel de palmito nos barracos da Usp. Alguém aí já andou na rua olhando pro chão pra ver se alguem possa ter perdido dinheiro… já passei por essa no trajeto pelo vale do Anhangabau. Quando sobrava uns trocos, comprava aquela Paçoca da Confiança – era uma delicia: sem muito açúcar e feita mesmo de amendoim, sequinha sem ser esfarelenta. Tão boa, que logo tiraram de circulação.
Mas o que tem a ver o Boal com isso? É que no curso de madureza, assumimos o papel de promover o que na época se chamava conscientização dos alunos. Tínhamos até assessoria do PC do B pra isso. Então fizemos um grupo de teatro e fomos assistir um espetáculo no Arena, especial para estudantes. Aí nos encontramos (não presencialmente, como se diria hoje) através dos textos. E o nosso contato foi através do texto do Espetáculo “Chiclete & Banana”, de Boal e Chico de Assis, cujo LP tenho até hoje.
É um texto altamente didático sobre o imperialismo cultural através da música, mostrando o samba que sai do morro e entra no circuito Miami-Copacabana, fazendo a trilha sonora da política da boa vizinhança e voltando “pro morro, onde está o meu cachorro vira-lata, minha cuica, meu ganzá.” Mostra a exploração via mambo, rumba, bolero “made in USA”. E introduzindo o famoso samba de Jackson do Pandeiro, conclui: “só iremos mascar o seu chiclete, no dia em que eles comerem a nossa banana.”
E como dizia o texto do Arena conta Zumbi: “Assim passei os dias que me deram pra viver…