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Vozes do golpe

fevereiro 28, 2011

Aproveito um recado de Orlando Nascimento sobre Moacyr Scliar e um e.mail recebido de Antonio Morales para dar sequência à série Literatura Engajada

 

VOZES DO GOLPE (4 VOLUMES) – A revolução dos caranguejos; Mãe Judia,1964; A mancha; Um voluntário da pátria

Carlos Heitor Cony e Moacyr Scliar e Zuenir Ventura e Luis Fernando Verissimo

Vozes do golpe reúne quatro relatos – dois ficcionais e dois documentais – sobre experiências ligadas ao golpe militar de 31 de março de 1964 (ou 1o. de abril). Os textos relembram os acontecimentos que derrubaram o presidente João Goulart e instauraram o regime autoritário que se prolongou por mais de vinte anos (1964-1985), e cujos reflexos ainda estão presentes na vida dos brasileiros.


Em A Revolução dos Caranguejos, Carlos Heitor Cony relembra sua atuação na imprensa durante o ano do golpe e conta as perseguições que sofreu – tanto do regime militar como de setores da esquerda. O escritor evoca o dia 1o. de abril de 1964 e uma caminhada em Copacabana na companhia do poeta Carlos Drummond de Andrade. Desse passeio resultaria a primeira – e ácida – crônica de Cony sobre o golpe. Os textos do escritor no jornal Correio da Manhã motivaram um pedido de prisão e um processo, movidos contra ele pelo então ministro da guerra, Arthur da Costa e Silva, além de lhe renderem o patrulhamento da ala esquerdista que considerava seus romances e crônicas “alienados”.
Em Um voluntário da pátria, Zuenir Ventura rememora os acontecimentos que precipitaram o golpe militar, como o Comício das Reformas na Central do Brasil, em 13 de março, ao qual compareceram 300 mil pessoas, entre as quais o próprio Zuenir. No dia do golpe, o jornalista estava em Brasília, onde deveria assumir uma cadeira de professor na Escola de Comunicação da UnB. Sua descrição daquele dia é uma crônica preciosa porque inédita: ninguém ainda havia narrado o desenrolar dos fatos em Brasília, fora dos círculos oficiais. Zuenir relembra sua surpresa ao constatar que “pegar em armas” podia ser mais do que uma expressão retórica.


Em Mãe Judia, 1964, Moacyr Scliar cria uma narrativa de ficção sobre o intricado caso psiquiátrico em que um médico recém-formado toma conhecimento do monólogo de uma paciente do hospital em que trabalha. Trata-se de uma senhora judia que enlouqueceu depois
Luis Fernando Verissimo compõe em A mancha uma narrativa de ficção ao mesmo tempo divertida e dolorosa. É a história de Rogério, um homem de meia idade, ex-prisioneiro do regime militar. Por obra do acaso, ele descobre, anos depois, ao ver uma mancha no carpete de um imóvel que pretende comprar, a sala em que havia sido torturado. O texto de Verissimo discute a dupla e paradoxal necessidade de quem viveu na carne a violência do regime autoritário: lembrar os acontecimentos extremos que marcaram aquele período, mas também esquecê-los, abandoná-los no passado para não inviabilizar a vida presente.

Bom dia para os defuntos

fevereiro 17, 2011

Considero que essa obra, que li já faz muito tempo, se enquadre na série “Literatura engajada” e tenha muito a ver com os anos 60 e as luta do povo humilde da América Latina contra as forças que o oprime e massacra. Penso também, como o Jarbas, que toda a arte que mereça levar esse nome seja engajada. O livro de Manuel Scorsa com certeza merece estar nessa galeria, pois é literatura da melhor qualidade e profundamente engajada com a realidade dos povos latino-americanos e particularmente do Peru, seu país e cenário onde seus “defuntos” emergem como denúncia de uma realidade cruel e desumana. Antonio Morales

Esta é uma obra bastante rara e pouco conhecida da literatura latino-americana. O escritor peruano Manuel Scorza conta em: “Bom Dia Para os Defuntos” os acontecimentos da luta do povo peruano, entre os anos de 1950 e 1962, em que os camponeses se organizaram para recuperar suas terras que foram roubadas por latifundiários e por uma empresa norte-americana, a Cerro de Pasco Corporation, que estavam explorando as jazidas ricas em minérios da região do altiplano do Peru.

A história teve um desfecho trágico que resultou no massacre de camponeses revoltados com a exploração da burguesia nacional e internacional contra o povo peruano.

Em tom quase documental, Manuel Scorza faz um relato bastante real e comovente deste importante fato da história do Peru.

Esta obra é de grande sucesso no Peru e sua publicação e enorme repercussão entre a população peruana fez com que as autoridades deste país libertasse o principal líder da revolta dos camponeses, Héctor Chacón, que ficou preso durante onze anos em uma prisão localizada no meio da floresta amazônica peruana.

O autor

De origem peruana, Manuel Scorza, é um dos principais escritores do século XX no Peru. Seu maior mérito é descrever histórias reais com sutileza em que mistura fantasia e realidade de maneira bastante peculiar.

“Manoel Scorza nasceu em Lima, Peru, em 9 de setembro de 1929. Estudou em colégio militar e cursou Literatura na Universidade de San Marcos, em Lima, e na Universidade do México. Participante ativo das lutas sociais de seu país, foi preso e expulso do Peru na ditadura do General Odría. Em 1948, experimentou o exílio pela primeira vez, e durante sete anos percorreu quase toda a América Latina. Voltou ao Peru em 1956.

A partir de 1960, participou de grande rebelião camponesa dos Andes Centrais, militante ativo das lutas do movimento indígena, denunciou publicamente a matança e, por isso, foi acusado de “ataque às Forças Armadas”. Seu livro de maior impacto Bom Dia para os Defuntos (Civilização Brasileira, 1975) – Redoble por Rancas (Editorial Planeta, 1970), no original peruano – é livro que vem empolgando os leitores de todos os países onde já foi publicado: Espanha, Itália, França, Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, para citar alguns.

Trata-se de um romance-testemunho. Ou, como diz o próprio autor: é a crônica exasperadamente real de uma luta solitária: “a que, entre 1950 e 1962, travaram nos Andes Centrais os homens de alguns povoados que apenas figuram nos mapas militares dos destacamentos que os arrasaram”.
Ipso facto, “os protagonistas, os crimes, a traição e a grandeza, quase todos têm aqui os seus nomes verdadeiros”. Alguns nomes, no entanto, foram modificados: “para proteger os justos contra a justiça” – adverte o romancista.

É o relato dos conflitos entre campônios e latifundiários e, ainda, a Cero de Pasco Corporation, empresa norte-americana que explora as jazidas minerais da região e reserva um milhão de hectares de terra para a engorda do gado de sua Secção Agrícola – firma que, em seu último balanço, apresentou um lucro líquido de cinco milhões de dólares. A luta travada foi epopéica, mas terminou com o massacre dos rebeldes ante as forças repressivas peruanas e os capangas dos grandes proprietários de terras.

Nesse romance realista, marcado pelo patético e o trágico, o burlesco e o fantástico, o absurdo e o cruel, há que se ressaltar o admirável domínio da fatura literária que Manuel Scorza exibe.

Há que se ressaltar, também, – como já o fizeram os seus críticos latino-americanos e europeus – “a potência devastadora da ironia e do humor”, típicos do real maravilhoso. Isto levo-o pela segunda vez a deixar seu país, buscando então refúgio na França onde viveu por 10 anos.

E é precisamente neste período que conclui sua trilogia, narradas entre Paris e Lima originalmente com o nome La Danza Imóvil (1983). Retornou ao Peru em 1978. Faleceu em 27 de novembro de 1983, aos 54 anos, num acidente aéreo ocorrido na Espanha.”

Ubiracy de Souza Braga é sociólogo (UFF), cientista político (UFRJ), doutor em comunicação social (USP) e professor da coordenação do curso de ciências sociais da UECE – Universidade Estadual do Ceará

Os Clandestinos: literatura engajada

fevereiro 12, 2011

Já colecionei muitas canções que podem ser incluídas na série de posts sobre música engajada proposta pelo Kuller. Mas, ao relacionar canções, comecei a pensar que outra fonte interessante de referência artística relativa à nossa geração (a afamada meia oito) poderia entrar na dança. Pensei na literatura engajada. E a primeira obra que me veio à mente foi Os Clandestinos, de Fernando Namora. Mais à frente comentarei o romance do grande escritor português e tentarei mostrar porque a obra escolhida tem tudo a ver com a idéia de literatura engajada e anos sessenta. Antes disso, convém delinear algumas considerações conceituais.

Literatura engajada é uma redundância. A grande arte sempre é engajada. Meu eventual companheiro de botequim nas noites de Ribeirão Preto, Isaias Pessotti, afirmaria com certeza que Eurípides escrevia na velha Atenas peças teatrais engajadas. [Aproveito a chance para recomendar o romance Aqueles Cães Malditos de Arquelau, obra do Isaías que homenageia Eurípides]. O mesmo vale para Cervantes ou qualquer outro clássico das letras. Mas, acho que literatura engajada aqui no Arquivo68 é algo mais limitado, ela deve ser reveladora dos modos de ser nos sessenta ou indicadora de leituras da nossa geração. No primeiro caso cabe, por exemplo, Batismo de Sangue, do Frei Beto. No segundo caso cabem obras atuais ou de outras épocas que fizeram a nossa cabeça. Acho que isso basta em termos de definição.

Devo ainda fazer outra consideração. Fernando Namora é um escritor que se via como um artista engajado. Em prefácio à 8ª edição de Casa da Malta, o romancista luso, ao considerar seu fluir na corrente do neo-realismo, define de várias maneiras como entende o engajamento do artista. Cito  trecho em que ele apresenta motivos do e para o engajamento de sua geração:

A guerra fez emergir, cruamente, realidades fundamentais, até aí escamoteadas: a pobreza, a servidão, as lavas de um poder corrupto; as massas tomavam a iniciativa de sua promoção, forçando os muros da indiferença burguesa, com a qual o artista pactuava; este tinha, enfim, o ensejo de denunciar os compromissos com as classes favorecidas e, desse modo, o ângulo da focagem dos problemas, como a sua expressão, haviam de ser outros. Em vez de sonhos e dramas de alguns, o artista era solicitado por uma realidade experimentada e sofrida pela maioria e esta descoberta estimuladora, cujo ardor mal doseado era uma espécie de rastilho da esperança, impelia a arte para temas em que pudesse exercer, com mais eficácia, o seu papel reivindicador.

Não posso deixar de citar mais um trecho do prefácio a Casa da Malta:

Bem sabemos que o artista, mesmo não se desviando do seu papel social libertador, supera gradualmente a realidade através de uma arte crítica, do lúcido conflito entre o real e a sua rejeição, tendo a beleza de permeio, na qual, portanto, os valores artísticos são cada vez mais ambicionados. Progredindo do rudimentar para o complexo, aprofundando o homem como ser gregário, equacionando as suas dúvidas sem o isolar de um todo social, o novo humanismo acompanha as ansiedades de cada homem, tradu-las, desperta-as, enquanto se dirige a todos os homens. Para tanto, não é necessário amesquinhar a arte nem recusar-lhe as seduções.

É interessante notar que o prefácio a Casa da Malta foi escrito em 1961. Assim, embora o romance seja dos distantes anos de 1940, o escritor mostra-a como obra engajada na década que é objeto das produções deste blog.

Vamos agora a Os Clandestinos. O romance foi publicado em 1972. A minha edição, publicada no Brasil pela antiga Globo, é de 1973. Namora levou um longo tempo para produzir Os Cladestinos. Começou-o em 1963 e terminou-o em 1971. Talvez não seja mera coincidência que a escrita do romance atravesse toda a década dos anos sessenta. Parece que as agitações da época têm a ver com a elaboração da obra.

Vasco, escultor e ex-militante aburguesado, vive aventuras com uma amante desvairada, devassa, liberada, Jacinta. Os encontros dos amantes são clandestinos, a princípio numa casa da periferia, depois num apartamento de classe média na cidade. Cada visita ao apartamento é um ato de clandestinidade para Vasco. Medo, desassossego, cuidados extremos para não se encontrar com qualquer conhecido nas cercanias são componentes de cada encontro. E mesmo no interior do apartamento, por imposição da dona do lugar, Bárbara, cuidados especiais são tomados para não despertar qualquer suspeita dos vizinhos. Além disso, em lugares e eventos públicos frequentados pelos amantes com suas famílias, medo e neurose acabam atormentando Vasco, receoso de que sua mulher, Maria Cristina, ou amigos percebam qualquer sinal daquela paixão proibida.

A clandestinidade dos amantes faz contraponto com narrativas da clandestinidade política de Vasco quando jovem. Os mesmos sentimentos e cuidados de amante se repetem na vida militante. Além disso,  a aventura amorosa do escultor vai despertando memórias de sua atuação política na resistência ao fascismo, nas manifestações, no partido, nas greves etc. Detalhes da militância de Vasco nos anos imediatos ao pós-guerra são muito familiares para quem militou na esquerda nos anos sessenta em nossa terra.

Vasco foi preso político. Em suas memórias revê sua prisão assim como a de companheiros. Interrogatórios intermináveis. Tortura. Receio de que algum companheiro não tenha sido forte o suficiente e entregou os demais. Medo de que certo companheiro fosse um traidor. Desfaçatez e violência dos esbirros da ditadura. Tudo isso vai aparecendo na narrativa das lembranças do escultor. Embora a prisão de Vasco tenha ocorrido no final dos anos quarenta, os detalhes parecem descrição viva da vida de militantes de esquerda nas prisões da ditadura militar no Brasil.

No romance, Vasco lembra-se de eventos na prisão que talvez tenham com base fatos reais. A valentia de Chico Mouro, que apesar de torturas imensas continua a desafiar seus algozes, guarda certa relação com o comportamento de muitos presos políticos nos porões das prisões fascistas de Portugal ou do Brasil. Cabe notar que, apesar da crueldade das torturas, lá e aqui eram raros os companheiros que traíam os demais. Cabe notar, também,  que os torturadores muitas vezes não estavam à procura de informação, estavam sim tentando desumanizar os prisioneiros,anular sua identidade. Fernando Namora descreve a psicologia da tortura, tanto a de torturados como a de torturadores, de uma maneira magistral. Não consigo passar aqui toda a dramaticidade com que ele faz isso.

Os Cladestinos parece um retrato de nossa vida nos anos sessenta. Quem militou na época, ao ler o romance, sentirá que o mesmo parece estar a descrever uma parte de sua vida. Quem  não foi militante naquela época ou nasceu anos depois tem no romance de Namora uma referência dramática que pode ajudá-lo a entender sentimentos da geração dos anos de 1960.

Uma palavra final: o romance de Fernado Namora é também uma obra que pinta o aburgesamento de uma geração lutadora. Artistas, escritores, profissionais liberais, empresários que militaram no passado mudaram muito. Ao mesmo tempo, em algumas situações podem revelar sentimentos que pareciam mortos, voltam a uma vida militante.

Recomendo leitura de Os Clandestinos. Recomendo leitura de outras obras de Fernando Namora. É literatura engajada no sentido que a entendo na relação entre produção artística e valores da esquerda nos anos sessenta.

Opinião

fevereiro 11, 2011

Acho que, na época do Show Opinião, o que a música tinha de engajada era seu refrão: “podem me bater, podem me prender, que eu não mudo de opinião”. Durante a ditadura militar, ter ou não mudar  certas opiniões era perigoso. Hoje, em tempos de deslizamentos de encostas, pode suscitar outras leituras.

Aí vai a letra:

Opinião

Podem me prender
Podem me bater
Podem, até deixar-me sem comer
Que eu não mudo de opinião
Daqui do morro
Eu não saio, não

Se não tem água
Eu furo um poço
Se não tem carne
Eu compro um osso
E ponho na sopa
E deixa andar
Fale de mim quem quiser falar
Aqui eu não pago aluguel
Se eu morrer amanhã, seu doutor
Estou pertinho do céu

Repensando a Ditadura Militar Brasileira

fevereiro 7, 2011

Hoje dia 7, 21h, horário de Brasília, você confere a videopalestra ao vivo e online do professor do Instituto de História da UFRJ e editor do Blog Brasil Recente, Carlos Fico, intitulada “Operação Brother Sam”.

A Operação Brother Sam foi a força-tarefa naval enviada pelos EUA em apoio ao golpe de 1964 e só foi descoberta muitos anos depois.Na palestra, Carlos Fico indicará quem foi o militar brasileiro que atuou como canal de ligação com os norte-americanos e explicará como descobriu, em 2006, o Plano de Contingência que planejou a Brother Sam nos arquivos dos EUA.

Você poderá fazer perguntas e comentários sobre o tema no momento da videopalestra. Não deixe de participar! 20h55 acesse o Café História (www.cafehistoria.ning.com) ou o Brasil Recente (www.brasilrecente.com) e confira informações exclusivas com um dos maiores especialistas em história da ditadura militar no Brasil.

A videopalestra “Operação Brother Sam” é uma promoção da rede social Café História em parceria com o blog Brasil Recente. Não perca!