Procurando enriquecer a recém-criada categoria “bares da época”, iniciei uma pesquisa sobre o Bar do Zé. Pensei que ele tinha sido citado pelo Jarbas em Duelo na Maria Antonia. Depois percebi que não. Seguramente o bar foi citado em 1968, publicado pelo Sidão.
Encontrei um artigo em que o Henrique Meirelles (sim, o atual presidente do Banco Central) confunde o Bar do Zé com o Bar sem Nome, outro dos ícones da época. Dizem que lá, no Sem Nome, o Chico Buarque fez ou apresentou as suas primeiras composições. >.
Fiquei pensando que a confusão entre os dois bares revela que o Meirelles, embora circulando na época pelo pedaço, não devia ser um grande frequentador de tais ambientes culturais. Não sei se o Chico foi frequentador do Zé como o foi do Sem Nome e do Bar Riviera.
De repente, encontro uma matéria muito interessante. O Cláudio Tozzi falando do Bar do Zé de forma restrita e, em geral, da Rua Maria Antonia, a qual ele denominou de nosso Quatier Latin.
Percebi que o texto poderia enriquecer duas de nossas categorias recentemente criadas: a dos bares e a de Artes Plásticas. Dois posts incluídos nessa última categoria estão muito relacionados com o artigo que encontrei: 1968: Mais Artes Plásticas e As Artes Plásticas na Década de 60 e em Maio de 68.
Assim, não resisti à tentação de reproduzir o artigo da Série SP 450, da Folha de São Paulo, em Arquivo68. Os mais puristas poderão encontrá-lo em seu lugar original clicando aqui.
LUIZ CAVERSAN
da Folha de S.Paulo
As primeiras pedras e ovos começaram a voar ainda no dia anterior, quando secundaristas e alunas da Faculdade de Filosofia da USP faziam um pedágio na rua Maria Antônia para recolher dinheiro para o movimento estudantil.
Mas a “Batalha da Maria Antônia” estourou mesmo no dia seguinte, 3 de outubro de 1968, uma sexta-feira. E seu saldo foi trágico: um estudante secundarista (José Carlos Guimarães, 20) morto com um tiro na cabeça, três universitários também baleados e dezenas de feridos.
Além do prédio da Filosofia invadido e depredado por alunos da vizinha Universidade Mackenzie e integrantes do CCC (Comando de Caça aos Comunistas), quebra-quebra, confronto com policiais e diversos automóveis incendiados.
O artista plástico Cláudio Tozzi, 58, participou ativamente daqueles dias conturbados, que colocaram a cidade de São Paulo no clima do que estava ocorrendo no resto do mundo, sobretudo na França.
“A Maria Antônia era o nosso Quartier Latin”, afirma Tozzi, referindo-se ao boêmio bairro parisiense que, em maio de 68, viveu verdadeiras batalhas campais.
A semelhança com Paris não se referia apenas à contestação violenta. “A região da Maria Antônia era muito festiva, um ponto de encontro, uma parte da cidade agradável e animada”, diz Tozzi.
Agradável enquanto as relações do movimento estudantil ligado à esquerda não passassem a se estranhar violentamente com os conservadores do Mackenzie.
“Sempre houve provocação”, recorda Tozzi, como os roubos de urnas da eleição estudantil de 67. Mas havia também a animação das passeatas que rapidamente agregavam alunos das escolas próximas. “Em dois minutos, o que acontecia na Filosofia já chegava à FAU, onde eu estudava. Dali para a Administração de Empresas era um pulo, e de repente estava todo mundo lá.”
O ambiente cultural também florescia, tanto nas escolas quanto nos bares da região, entre eles o lendário Bar do Zé, na Maria Antônia com Dr. Vila Nova.
Tozzi foi preso duas vezes, embora não constituísse uma liderança, como eram o atual ministro José Dirceu ou Luiz Travassos, da União Nacional dos Estudantes. Era, sim, um militante, e como tal sentiria a força do regime militar.
“A primeira prisão foi coletiva, mais de 60 estudantes, no largo da Concórdia, em uma ação comandada pelo então famoso policial Raul Careca. Na segunda, a coisa foi mais séria: acabei preso pela Oban [órgão de combate aos opositores do regime] e levado ao Doi-Codi [repartição do Exército que atuava na repressão].”
Segundo afirma, Tozzi foi submetido a maus tratos por pelo menos uma semana.
Como seria de se esperar, sua pintura foi fortemente influenciada pelos acontecimentos da época: “Na verdade, eu fazia uma espécie de retrato daquilo tudo. Fotografava e documentava, depois fazia intervenções nas fotos ampliadas, o que resultava num trabalho afinado com a realidade. Não era, de jeito nenhum, uma pintura de cavalete. Buscava uma comunicação mais ampla, tanto que expunha até em fábricas. Tinha a preocupação de vincular arte com luta pela liberdade, sob a influência de tudo o que acontecia no mundo de então e tendo São Paulo como cenário.”
Tags: artes plásticas, Bar do Zé, Bar Riviera, Bar Sem Nome, bares da época, batalha da Maria Antonia, CCC, Chico Buarque, Maria Antonia, movimento estudantil, Oban, regime militar
março 2, 2023 às 6:59 pm |
Realmente a parte que fala do Bar Sem Nome, o proprietário era meu pai Agostinho de Freitas.