Archive for junho \23\-03:00 2009

Que MAO há nisso?

junho 23, 2009

livrovermelho1

por Eduardo Sposito

Para melhor entendermos o espírito da época, há necessidade de lembrarmos algumas contribuições importantes, e o “grande timoneiro” Mao Tse-Tung talvez seja a principal delas. (Outras, seriam Bertand Russel, Erich Fromm, Hebert Marcuse…Alguém se habilita?)

O “Livro Vermelho” dos pensamentos do comandante Mao alimentou muitos sonhos e estimulou grandes mobilizações por seu caráter de “princípios para a ação” e pela tradução popular e didática da filosofia marxista. Organizado por seu ministro de defesa Lin Piao – que o substi-traiu- ( possibilitando aos anti-China comunista a exercitar o humor: “A China vai de mao a piao”) – o livreto teve grande repercussão no mundo inteiro.

O maio de 68 na França e todo movimento jovem na Europa e nos EUA, os movimentos de resistencia na América Latina e África, foram altamente influenciados pelo famoso “livrinho”. Ainda tenho no ouvido os ecos da manifestação de rua cantando “Maô!…Maô!…”, com sotaque francês (deve ser no filme “A Chinesa” do Godard)

Pessoalmente lembro-me de ter me entusiasmado com seu conceito de revolução permanente, que o levou a propor a famosa “Revolução Cultural”, em que ele pressupunha que a juventude seria o esteio dessa eterna revolução, e só ela poderia impedir que o Partido Comunista Chinês caisse na burocratização e repetisse a experiência russa.

Com erros e acertos, a China não seria a potência que é hoje, sem Mao.

Estou anexando alguns trechos do “Livro Vermelho”, que achei num sebo em Rio Preto por 8 reais. Vê se dá para ficar indiferente a suas idéias.

Nara: o pássaro e o leão

junho 13, 2009

naraopiniao

por Augusto Buonicore( Historiador, mestre em ciência política pela Unicamp)

No último dia 7 de junho completaram-se vinte anos da morte da cantora Nara Leão. Ela foi uma das pessoas mais importantes na configuração do que conhecemos hoje como Música Popular Brasileira (MPB). Participou da criação da Bossa Nova, da “música de protesto”, do tropicalismo etc. Foi também uma artista engajada nas lutas do seu tempo pela liberdade e pelos direitos do povo. Era um bichinho estranho: meio pássaro e meio leão.
A matéria completa pode ser lida na Página 40.

Trens, tecnologia e cacoetes religiosos

junho 8, 2009

trens

A propósito de uma conversa sobre trens de hoje e antanho com meu amigo Juvenal Alvarenga, estávamos nos esclarecendo sobre o tal de SELETIVO, que nada mais é que um sistema de controle do tráfego de trens que hoje se faz com o apoio das novas tecnologias e o tal lacre eletrônico das locomotivas.

E aí o Juvenal saiu com o “causo” abaixo, cujos fatos ocorreram segundo ele por volta de 1955. Mas poderia muito bem ter acontecido nos anos 60, motivo pelo qual o incluímos neste blog.

Antonio Morales

Trens, tecnologia e cacoetes religiosos

Esse papo de TRENS vai longe… …O “SELETIVO” era e talvez continue sendo um dispositivo de controle para que os trens não transitem simultaneamente num mesmo par de trilhos. . Nos tempos do meu amigo Ferreirinha da Noroeste essa vilância não tinha nada de “lacre eletrônico”.

Os computadores mal estariam sendo gestados no silêncio esperto da cabeça dos cientistas. O controle era feito na base do papel, lápis, gráficos, régua e transferidor. Um dia fui visitar o Ferreirinha na escala noturna do seu serviço e fiquei maravilhado com a destreza com que ele exercicia a vigilância dos trens no vai-e-vem entre as estações.

Pilotando sua mesa de engenheiro tipo cavalete o Ferreirinha – moreno, febril e ágil – de boné quebra luz sobre os olhos e o lápis preso na orelha assumia ares de anjo da guarda retendo ou liberando pelo telefone as composisões entre as estações. Um trem só partia com sua órdem expressa, depois de verificar que os trilhos estavam desimpedidos.

Isso era registrado com um vigoroso traço sobre o grande mapa da malha ferroviaria previamente desenhada e disposto sobre sua mesa de trabalho. No final de cada turno eram tantos os riscos e rabiscos que o gráfico tinha que ser trocado por outro novinho em folha.

Quando o trem paria de uma estação o fato era comicado ao “Seletivo” por telefone e o Ferreirinha fazia um círculo de onde aconteceu a partida. A seguir riscava na malha o percurso até a cidade próxima que era por sua vez assinalada da mesma forma. E assim sucessivamente.

Não tinha erro. Nenhuma outra composição poderia usar aquele percurso nem para tirar o pai da forca. Se isso acontecesse era trombada na certa. Ou um empurrão pela retaguarda de uma compoição mais lenta.

O Ferreirinha foi meu colega de quarto na pensão da Dona Nenzinha. Ou seria outro o seu nome.? Foram tantos os hoteis, pensões, vagas e hospedarias onde reposuei meu corpo cansado que me dou ao direito de pequenas confusões onomásticas. Fazíamos parte, eu e ele, dos hóspedes comportados que a senhoria reunia numa parte seleta da casa.

Longe dos jogares de baralho, dos notívagos, dos cervejeiros e dos zoneiros com sua vozearia usual. Éramos a elite da escória. Estudantes, na sua maioria, mantidos pelas mesadas familiares que precisavam fazer jus aos trocados recebidos sem o labor insano. Ou, então, empregados como o Ferreirinha que precisam manter-se solerte para a próxima jornada de trabalho. Nada de vacilos boemios.

Lembro-me do Fereirinha por vários motivos, inclusive pelo bom amigo que era. E, também, por um cacoente religioso que desenvolveu – quem sabe – sem ele mesmo perceber.

A certa altura de seus solitários dias ganhou uma correntinha benta (como era de costume) e começou a homenagear o santo com um beijinho de vez em quando. Creio que de início os beijinhos eram ocasionais e esporádicos Mas sistemático como era, resolveu por ódem naquela devoção.

Passou a beijar de hora em hora, sem muito rigor matemático. Aos poucos, porém, sua religiosidade achou que era pouco e os beijos foram se adensando no correr do dia. Era raro o momento em que o Ferreira não estava com a medalhinha rente aos lábos para o exercíciodo beija-beija. .

De resto todos sabemos que as devoções do catolicismo são repetiticas e cronometradas : – as tres aves-marias, as ladaínhas, os terços… as vésperas, o ângelus…

Com seus beijos castos o Ferreirinha parecia seguir esses ritus da religião. Porém para gerar mais merecimentos deviam ocorrer cada vez mais… e mais vezes.

Nessa aritmética desvairada o meu bom amigo deve ter perdido o controle de sua devoção. O que valia não era tanto a periodicidade, mas sim a quantidade de beijos.

Uma avalanche. Quanto tocava a medalhinha com a mão, alí mesmo, tão perto no seu pescoço, lembrava-se do compromisso e com a efígie colada aos lábios descontava os beijos atrasados. Era um tuch-tuch-tuch, sonoro, solerte e incontável. Deixara de contar há muito tempo. Passara a calcular os beijos por tempo de duração do exercício piedoso.

Os períodos de repouso eram raros… bastava lembrar-se que estava em desvantagem na sua reverência que lá vinha um beija-beija frenético. Não se ocultava, não se omitia, não se escondia… era tudo às claras.

Essa passou a ser a sua marca. Pelo menos no crivo da minha observação. Pode ser até que exagero por um desses desmazelos com que o tempo guarda as lembranças. Depois nos separamos, ao comando aleatório dos caprichos do destino. E o velhoamigo deixou da habitar minhas memórias, de onde hoje o ressuscitei para este átimo de saudades. O que a vida terá feito do Ferreirinha do Seletivo da Noroeste do Brasil, com seu beija-beija alucinado? Por onde andará o Ferreirinha?

Se vivo for se lembrará de mim como me lembro dele nesta tarde fria e silente na contemplação das águas calmas de Avaré? Quem saberá?

Juvenal Alvarenga Jr.

Ainda mais uma vez Boal

junho 3, 2009

boal02

Tempos atrás decidimos transformar os comentários mais significativos dos leitores em posts do blog. É uma forma de destacar o comentário e torná-lo mais acessível. É o que fazemos, a seguir, com o comentário de Romario José Borrelli feito a respeito do post de Antonio Morales sobre Augusto Boal.

Por Romario José Borelli

Augusto Boal estava no auge de sua efervescência criativa quando foi preso pela ditadura no Brasil, em 1971. Havíamos chegado havia pouco da Argentina, onde tínhamos feito uma longa temporada de sucesso com Arena Conta Zumbi.

Para a viagem a Buenos Aires, Boal já fizera questão de levar, com o elenco do Zumbi, seu grupo experimental Teatro Jornal. Era o momento no qual ele começara a romper com as formas clássicas de teatro e com seus próprios ajustes ao teatro brechtiano. Surgiam assim formas de trabalho teatral menos comprometidas com o espetáculo tradicional, menos formais, ajustadas a qualquer espaço e realizadas por qualquer pessoa que quisesse ou precisasse se expressar. Ou seja, os recursos teatrais usados por “não atores”, de onde surgiram os seus Teatro Jornal e Teatro Invisível, que finalmente desaguaram no Teatro do Oprimido.

Mas Augusto Boal foi muito mais que o criador dessas formas teatrais. Ele foi um agitador cultural como ninguém, que via em tudo uma possibilidade de expressão e a implementava com celeridade e precisão. Sua fala sempre ligeira quase não dava conta de seu raciocínio ainda mais rápido. Ele era sempre guiado pelo visionarismo, no bom sentido da palavra, e sempre dirigia seu foco para onde outros ainda não tinham percebido que havia alguma coisa. Foi assim com o show Opinião (1964), onde brilharam Nara Leão, Maria Bethânia, Zé Keti e João do Vale (com texto de Paulo Pontes, Oduvaldo Vianna Filho e Jaime Costa), que se tornou um marco na cultura brasileira e abriu caminho para os musicais; foi assim com Arena Conta Bahia, onde lançou Gilberto Gil, Caetano Veloso, Gal Costa. Foi assim com o “sistema coringa”, em que adaptava a estrutura do “corifeu” e do próprio “coro” do teatro grego a uma busca de expressão do teatro brasileiro. Lançou toda uma teoria a respeito, que estruturava a dramaturgia de Arena Conta Tiradentes, escrito com Gianfrancesco Guarnieri, seu grande parceiro. Também escreveram juntos Arena Conta Zumbi, que fez enorme sucesso no Brasil e no exterior. Os espetáculos se tornaram marcos na luta contra a ditadura.

Seu teatro invisível era uma forma de teatro relâmpago, em que um ou mais atores realizavam, num espaço público, uma performance não revelada como teatro. Por exemplo: dois atores conversavam num balcão de café e um começava a contar como tinha acabado de passar por uma ação truculenta da polícia, enquanto os demais frequentadores do café ouviam, mesmo disfarçadamente. Isso servia como denúncia da truculência policial.

Um caso famoso do teatro invisível deu-se em Milão, onde um casal de atores do grupo do Boal saiu desfilando pelas galerias de um shopping center e o ator puxava a atriz por uma coleira. Outros atores, disfarçados como frequentadores do shopping, fizeram uma intervenção, provocando uma discussão com aquele que puxava a coleira. Isso envolveu mais frequentadores, veio a polícia e armou-se uma grande polêmica, que serviu para trazer à tona o debate sobre a sujeição e a humilhação das mulheres.


O próprio Augusto Boal acabou sendo “vítima” do teatro invisível, quando atores suecos fizeram uma intervenção em um de seus seminários em Estocolmo e, vestidos como policiais, o “prenderam”. Depois de muita discussão, que culminou com a violência da polícia e a burocracia do Estado que não tinha liberado o seminário, eles se identificaram e o “soltaram”.

Esse era o Augusto Boal, cidadão brasileiro conhecido e respeitado em todos os países, dramaturgo, teórico de teatro, diretor, poliglota.

Escrevi-lhe algumas vezes quando ele estava na cadeia. Era uma situação estranha, pois não sabia o que escrever e o pouco que tinha para lhe dizer tinha de passar por minha própria censura, antecipando a leitura dos carcereiros que lhe entregariam a carta. Então, já mandava a carta aberta para não lhes dar trabalho. Eu não tinha que esconder que era do Teatro de Arena, o que provavelmente eles sabiam. Como sabiam também que eu não representava nada, que não era ninguém senão um jovem perplexo (22 anos), que demonstrava respeito e solidariedade por alguém que sofria. Dizia-lhe apenas que confiasse que estávamos levando o Zumbi e o Teatro de Arena da melhor forma e contávamos com sua volta quanto antes.

Não foi tão fácil. Boal continuou preso e o Arena saiu do Brasil com passaportes alterados para não chamar atenção para nossa condição de artistas de teatro, com a agravante de sermos do Teatro de Arena. No espaço para profissão dos antigos passaportes, tínhamos profissões diversas. Eu era “comerciário” num passaporte triste que ainda tenho. Note-se que a informatização e unificação das informações do Estado ocorreu bem depois; na época, era mais fácil burlar as cancelas da ditadura.

Na França, começamos uma campanha pela libertação de Boal aproveitando o Festival de Nancy, em 1971. Duas pessoas se destacaram nessa luta: o ator Antonio Pedro, que, além da militância política, tinha um ótimo domínio do francês; e Jacques Langue, que era diretor do Departamento de Cultura da Universidade de Nancy e anos depois foi ministro da Cultura de François Mitterrand e ministro da Educação de Jacques Chirac.


Boal foi solto e foi nos encontrar em Paris. Não é necessário dizer o que isso significou. Um dos momentos mais especiais de minha vida foi quando me sentei com ele num café de Montmartre. Ele pediu “deux balons rouges, s?il vous plaît”. Não tínhamos nada a dizer. Restava degustar a taça de vinho tinto.

Boal seguiu sua trajetória brilhante pelo mundo, abrindo caminhos, iluminando cantos escuros de nossas mentes. Visionário, não poderia deixar de ser socialista, sempre comprometido com a libertação do homem. Sabendo que o sistema opressor, este sim, é invisível, quando não é uma ditadura escancarada, criou formas e técnicas para denunciá-lo. Criou um método para que o homem usasse os elementos básicos dessa arte milenar que é o teatro para libertar-se do sistema econômico, dos tabus dos sexo, da opressão da convivência com os demais, da religião, da burocracia e de qualquer humilhação. Ao contrário do que muitos pensam, sua vida não foi dedicada ao teatro. Usou o teatro para dedicar-se aos direitos humanos.

Isso vale à pena mais que tudo no mundo. Foi o que Boal nos ensinou. Essa foi sua missão.

 

Romario José Borelli é dramaturgo, musicista e historiador. Autor, entre outras, da peça O Contestado. Músico do Teatro de Arena, fez as peças Arena Conta Zumbi, Arena Conta Tiradentes e Feira Paulista de Opinião. Também como músico, trabalhou em Roda Viva, de Chico Buarque