Archive for the ‘Poesias’ Category

Sobre 68 e depois: Poesias de Paulo Fonteles

agosto 22, 2008
Repressão

Repressão

Em Cena 19 – Cena final, ou Cai o pano ou a Poesia necessária  – Eduardo Spósito lembra o Estatuto do Homem, de Thiago de Mello, como um poema que o emociona até hoje. Lembra também, que o Estatuto foi publicado no Chile durante o exílio de Thiago, com o apoio de Pablo Neruda.
 
O texto de Eduardo Spósito despertou-me a curiosidade sobre a produção poética da época e como a poesia foi usada, no e sobre o período,  como documento, denúncia e resistência.
 
Um pouco de pesquisa e já me deparo com uma matéria muito interessante. Trata-se do texto: Paulo Cézar Fonteles de Lima – Poesia e Ditadura, um ensaio de Steven Uhly, da  Faculdade de Letras da Universidade Ludwig Maximilian, de Munique, Alemanha, publicado na revista Literatura e Autoritarismo – Memórias da Repressão, edição de Janeiro / junho de 2007.

Do texto, cuja íntegra pode ser acessada clicando aqui, reproduzo os poemas de Paulo Fonteles, nele transcritos.

A VIAGEM

O AVIÃO
LEVANTA VÔO.

ALGEMAS NÃO PRENDEM O PULSO DA MULHER
QUE DESCANSA O BRAÇO LIVRE NO VENTRE CRESCIDO.

O RÁDIO
TRANSMITE A MENSAGEM:
                                       ALÔ ALÔ BOTAFOGO
                                       ALÔ ALÔ BOTAFOGO
A MERCADORIA
A MERCADORIA
A MERCADORIA
                             JÁ CHEGOU

A MERCADORIA
                             JÁ CHEGOU.

– – – – – – – – – – – – – – – – – –

DISCURSO DO MÉTODO

OS MÉTODOS DA GESTAPO

                              GESTAPO
                              GESTAPO
                              GESTAPO

ESTÃO ULTRAPASSADOS,
            ULTRAPASSADOS.

– ESTAMOS PESQUISANDO
                                         PESQUISANDO
                                         PESQUISANDO

A SANTA INQUISIÇÃO
A SANTA INQUISIÇÃO

– ESTAMOS PESQUISANDO A SANTA
                                         INQUISIÇÃO.
– – – – – – – – – – – – – – – – – –

PALAVRAS DE UM TORTURADOR

NÃO
TENHO
ESCRÚPULOS.

N Ã O
T E N H O
E S C R Ú P U L O S.

TUA
MULHER
SOFRERÁ
                     S O F R E R Á
AS CONSEQUÊNCIAS
                                C O N S E Q U Ê N C I A S.

TUA MULHER
SOFRERÁ AS CONSEQUÊNCIAS;

                                C
                                O
                                N
                                S
                                E
              C O N S E Q U E N C I A S
                                U
                                E
                                N
                                C
                                I
                                A
                                S

– – – – – – – – – – – – – – – – – –

AFOGAMENTO

       CORPO ESTIRADO
CABEÇA REPUXADA PARA TRÁS.

      TUBOS DE BORRACHA
INFILTRAM-LHE NA BOCA
                                      NAS NARINAS.

      ÁGUA.

O PEITO SUFOCA
O CORPO ESTERTORA
O PRESO ESPERNEIA.

       AGONIA.

QUANDO A MORTE SE APROXIMA
APENAS UM FÔLEGO.

        APENAS UM FÔLEGO
QUE O PRESO NÃO PODE MORRER ANTES DE
FALAR.

– – – – – – – – – – – – – – – – – –

CHOQUE

UM MAGNETO
UM DÍNAMO
DOIS FIOS.

ELETRICIDADE
NA LÍNGUA
NO PÊNIS
NO ÂNUS
NA CABEÇA.

ALUCINADO
O CORPO TREPIDA
NO PAU DE ARARA
ESCARRANDO SANGUE.

O SARGENTO,
AQUELE QUE GIRA O DÍNAMO
RI.

– – – – – – – – – – – – – – – – – –

LUZ

  LUZ
DE AZUL, FORTE LUZ.

  AZUL
                FORTE LUZ.

  LUZ
DE AZUL, FORTE LUZ.

A CABEÇA NÃO PODE BAIXAR
AS PÁLPEBRAS NÃO PODEM CERRAR.

  LUZ
DE AZUL, FORTE LUZ.

  AZUL
                FORTE LUZ.

  LUZ
DE AZUL, FORTE LUZ.

  DO NADA,
SURGINDO DO NADA
                                UM SOCO

ME CALA.

  SURGINDO DO NADA
                                  UM SOCO

ME CALA.

– – – – – – – – – – – – – – – – – –

PAU DE ARARA

DOIS CAVALETES
UMA BARRA DE FERRO.

ATAM-NO PELOS PULSOS
                            E TORNOZELOS
COMO UM PORCO QUE VAI AO MERCADO.

PENDE O CORPO
DISTENDEM BRAÇOS E PERNAS
ATÉ A DOR INSUPORTÁVEL.

TRÊS DIAS
TRÊS LONGOS DIAS
TERRIVELMENTE LONGOS.

– – – – – – – – – – – – – – – – – –

ANDAR

ANDAR
          ANDAR ANDAR
                                 ANDAR
ANDAR SEM PODER PARAR.

ANDAR
          ANDAR ANDAR
                                 ANDAR
ANDAR SEM PODER PARAR.

A SALA É PEQUENA
MEUS PASSOS MENORES AINDA.

ANDAR
          ANDAR  ANDAR  ANDAR  ANDAR
ANDAR SEM PODER PARAR.

ANDAR
SEMPRE ANDAR
SEM PODER PARAR.

– – – – – – – – – – – – – – – – – –

SEGUNDA ANUNCIAÇÃO

TEU FILHO
TEU FILHO
TEU FILHO
                 NÃO NASCERÁ.

TEU FILHO
FILHO DESSA RAÇA
FILHO DESSA RAÇA
                                 NÃO DEVE NASCER.

NÃO DEVE NASCER
                               NÃO DEVE NASCER.

FILHO DESSA RAÇA
                               NÃO DEVE NASCER.

TEU FILHO
FILHO DESSA RAÇA
FILHO DESSA RAÇA
                               NÃO DEVE NASCER
NÃO DEVE NASCER.

– – – – – – – – – – – – – – – – – –

ATAQUE DE PEÕES

GANHO UMA CARTEIRA DE CIGARROS,
VAZIA.
UM BELO PRESENTE.

COM UM FÓSFORO RISCADO
DESENHO UM TABULEIRO DE XADRÊS
E CUIDADOSAMENTE RECORTO 32 FIGURAS.

DESENVOLVO BOAS TRAMAS
E SONHO COM ATAQUES DE PEÕES.

Manuel Bandeira

maio 30, 2008

Em outubro de 1968, morria Manuel Bandeira, um dos maiores poetas brasileiros.

Como uma homenagem, escolhi um poema de Bandeira para publicar.  Mesmo não tendo uma relação direta com o que o blog apresentou e discutiu até aqui, a escolha incidiu sobre um poema que trata do amor. Acho que esse tema foi muito relevante em 1968.

Em cursos desenhados para jovens, tenho usado esse poema para discutir a questão da beleza e a possibilidade de encarar a vida como uma obra de arte (Foucault). Mesmo que não a tenham formulado ou assumido explicitamente, acredito que havia um fundo dessa perspectiva nos sonhos e nas lutas dos jovens de 1968.

MADRIGAL MELANCÓLICO

O Que Eu Adoro em ti,

Não é a tua beleza.

A beleza, é em nós que ela existe.

 

A beleza é um conceito.

E a beleza é triste.

Não é triste em si,

Mas pelo que há nela de fragilidade e de incerteza.

 

O que eu adoro em ti,

Não é a tua inteligência.

Não é o teu espírito sutil,

Tão ágil, tão luminoso,

– Ave solta no céu matinal da montanha.

Nem é a tua ciência

Do coração dos homens e das coisas.

 

O que eu adoro em ti,

Não é a tua graça musical,

Sucessiva e renovada a cada momento,

Graça aérea como o teu próprio pensamento.

Graça que perturba e que satisfaz.

 

O que eu adoro em ti,

Não é a mãe que já perdi.

Não é a irmã que já perdi.

E meu pai.

 

O que eu adoro em tua natureza,

Não é o profundo instinto maternal

Em teu flanco aberto como uma ferida.

Nem a tua pureza. Nem a tua impureza.

O que eu adoro em ti – lastima-me e consola-me!

O que eu adoro em ti, é a vida

Pedra Filosofal

março 8, 2008

Procurando umas referências para incluir em Das Variações e Limitações da Memória 2, deparei-me com um poema de António Gedeão: Pedra Filosofal. Resolvi incluir o poema em páginas (6).  Para mim, o poema expressa a idéia contida na proposta original de Arquivo68: recordar os sonhos que tínhamos em 68 e investigar, a partir da nossa vivência, o papel do sonho como motor da história e da criação humana. A letra do poema também foi musicada. Clique aqui se preferir ouvir a música.

Küller