Posts Tagged ‘regime militar’

A Geração Paissandu

dezembro 5, 2008

 Pesquisando sobre cinema em 1968, encontrei um artigo muito interessante de Rui Castro sobre o tema. Trata-se de Geração Paissandu. O texto relaciona cinema e memória da época. Cabe muito bem, portanto, em Arquivo68. Publicamos, como aperitivo, o início do artigo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 Os menores de 30 anos podem não acreditar, mas já houve um cinema no Brasil – uma sala de espetáculos, quero dizer – que resumiu todo o cenário de uma época e, em seu tempo, batizou uma geração que a protagonizou. O cinema era o Paissandu, uma modesta sala de 742 lugares na rua Senador Vergueiro, no bairro do Flamengo, no Rio. A época, os anos 1964-1968, os quatro primeiros do regime militar (que ainda se envergonhava de ser chamado de ditadura). E os jovens que o freqüentavam eram então conhecidos (mais pelos seus detratores) como a Geração Paissandu – uma vasta classificação que incluía rapazes e moças radicais em arte, política e comportamento, embora alguns ainda tivessem de dar satisfações à mãe quanto à hora de chegar em casa.

Os ecos do que se passava em torno da tela do Paissandu e nos bares adjacentes eram ouvidos em todo o Brasil daquele tempo e, se calhar, até em Paris. Ali, entre as montanhas de cartões de chope nos botequins e aos sussurros na sala de espera do cinema, antes do começo das sessões, derrubou-se incontáveis vezes a ditadura, libertou-se o Vietnã e decretou-se a vitória definitiva do jeans (da marca Lee) sobre o vinco impecável. Grandes tempos para quem os viveu. Certa noite, no entanto – a de 13 de dezembro de 1968, uma sexta-feira –, a Geração Paissandu silenciou sem dizer água vai, e meio que para sempre. Silêncio este que, como tudo mais, passou despercebido, porque a insegurança e o medo impostos pelo Ato Institucional nº 5, baixado naquela noite, engoliram todo mundo.

Para quem se interessou, mais pode ser encontrado em Digestivo Cultural, clicando aqui.

Maria Antonia era o nosso Quartier Latin

outubro 17, 2008

Procurando enriquecer a recém-criada categoria “bares da época”, iniciei uma pesquisa sobre o Bar do Zé. Pensei que ele tinha sido citado pelo Jarbas em Duelo na Maria Antonia. Depois percebi que não. Seguramente o bar foi citado em 1968, publicado pelo Sidão.

Encontrei um artigo em que o Henrique Meirelles (sim, o atual presidente do Banco Central) confunde o Bar do Zé com o Bar sem Nome, outro dos ícones da época. Dizem que lá, no Sem Nome,  o Chico Buarque fez ou apresentou as suas primeiras composições. >.

Fiquei pensando que a confusão entre os dois bares revela que o Meirelles, embora circulando na época pelo pedaço, não devia ser um grande frequentador de tais ambientes culturais. Não sei se o Chico foi frequentador do Zé como o foi do Sem Nome e do Bar Riviera.

De repente, encontro uma matéria muito interessante. O Cláudio Tozzi falando do Bar do Zé de forma restrita e, em geral, da Rua Maria Antonia, a qual ele denominou de nosso Quatier Latin.

Percebi que o texto poderia enriquecer duas de nossas categorias recentemente criadas: a dos bares e a de Artes Plásticas. Dois posts incluídos nessa última categoria estão muito relacionados com o artigo que encontrei: 1968: Mais Artes Plásticas e As Artes Plásticas na Década de 60 e em Maio de 68.

Assim, não resisti à tentação de reproduzir o artigo da Série SP 450, da Folha de São Paulo, em Arquivo68. Os mais puristas poderão encontrá-lo em seu lugar original clicando aqui.

 

LUIZ CAVERSAN
da Folha de S.Paulo

As primeiras pedras e ovos começaram a voar ainda no dia anterior, quando secundaristas e alunas da Faculdade de Filosofia da USP faziam um pedágio na rua Maria Antônia para recolher dinheiro para o movimento estudantil.

Mas a “Batalha da Maria Antônia” estourou mesmo no dia seguinte, 3 de outubro de 1968, uma sexta-feira. E seu saldo foi trágico: um estudante secundarista (José Carlos Guimarães, 20) morto com um tiro na cabeça, três universitários também baleados e dezenas de feridos.

Além do prédio da Filosofia invadido e depredado por alunos da vizinha Universidade Mackenzie e integrantes do CCC (Comando de Caça aos Comunistas), quebra-quebra, confronto com policiais e diversos automóveis incendiados.

Claudio Tozzi - Foto Matuiti Mauezo

 O artista plástico Cláudio Tozzi, 58, participou ativamente daqueles dias conturbados, que colocaram a cidade de São Paulo no clima do que estava ocorrendo no resto do mundo, sobretudo na França.

“A Maria Antônia era o nosso Quartier Latin”, afirma Tozzi, referindo-se ao boêmio bairro parisiense que, em maio de 68, viveu verdadeiras batalhas campais.

A semelhança com Paris não se referia apenas à contestação violenta. “A região da Maria Antônia era muito festiva, um ponto de encontro, uma parte da cidade agradável e animada”, diz Tozzi.

Agradável enquanto as relações do movimento estudantil ligado à esquerda não passassem a se estranhar violentamente com os conservadores do Mackenzie.

“Sempre houve provocação”, recorda Tozzi, como os roubos de urnas da eleição estudantil de 67. Mas havia também a animação das passeatas que rapidamente agregavam alunos das escolas próximas. “Em dois minutos, o que acontecia na Filosofia já chegava à FAU, onde eu estudava. Dali para a Administração de Empresas era um pulo, e de repente estava todo mundo lá.”

O ambiente cultural também florescia, tanto nas escolas quanto nos bares da região, entre eles o lendário Bar do Zé, na Maria Antônia com Dr. Vila Nova.

Tozzi foi preso duas vezes, embora não constituísse uma liderança, como eram o atual ministro José Dirceu ou Luiz Travassos, da União Nacional dos Estudantes. Era, sim, um militante, e como tal sentiria a força do regime militar.

“A primeira prisão foi coletiva, mais de 60 estudantes, no largo da Concórdia, em uma ação comandada pelo então famoso policial Raul Careca. Na segunda, a coisa foi mais séria: acabei preso pela Oban [órgão de combate aos opositores do regime] e levado ao Doi-Codi [repartição do Exército que atuava na repressão].”

Segundo afirma, Tozzi foi submetido a maus tratos por pelo menos uma semana.

Como seria de se esperar, sua pintura foi fortemente influenciada pelos acontecimentos da época: “Na verdade, eu fazia uma espécie de retrato daquilo tudo. Fotografava e documentava, depois fazia intervenções nas fotos ampliadas, o que resultava num trabalho afinado com a realidade. Não era, de jeito nenhum, uma pintura de cavalete. Buscava uma comunicação mais ampla, tanto que expunha até em fábricas. Tinha a preocupação de vincular arte com luta pela liberdade, sob a influência de tudo o que acontecia no mundo de então e tendo São Paulo como cenário.”